Parte I

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É Segunda-feira, estou parado à porta do edifício onde trabalho.Como cheguei aqui? Penso para mim.Tenho 40 anos, sou administrador de uma das maiores empresas de telecomunicações do país, casado, com 3 filhos e verdadeiramente infeliz.O meu mundo tornou-se cinzento e sem vida. Os dias sucedem-se a um ritmo alucinante que começo a ter dificuldade em acompanhar.Estou esgotado física e psicologicamente.Olho para o edifício onde devo passar o dia e sinto-me esmagado pela sua grandeza.Começa a chover, à minha volta as pessoas começam a correr. Caminho na direcção contrária à porta do edifício. Ainda é cedo para entrar. Vou até ao café da esquina, uma boa dose de café deve pelo menos arrebitar-me fisicamente.

- Bom dia Dr. Sérgio.O do costume? Pergunta o dono do café.

- Sim, por favor.Enquanto espero que me sirvam, passo os olhos pelo jornal diário. Sempre as mesmas notícias. Não tenho paciência.Olho para a rua, deixou de chover e ao longe aparece o arco-íris.O movimento na rua intensifica-se. Começam a chegar os funcionários das inúmeras empresas que existem por aqui.Uma figura capta a minha atenção. Não pode ser. Impossível. Olho com mais atenção e nesse momento ela vira-se.

- Catarina?!

15 anos separam o dia de hoje do dia em que vi a Catarina pela última vez. Frequentamos a mesma universidade e o mesmo curso. Durante esse tempo fomos inseparáveis. Namoramos e chegamos a viver juntos. Mas depois sem que nada o fizesse prever, estar juntos tornou-se obrigação. Deixou de haver prazer, passamos a viver a monotonia de dar um beijo por etiqueta e a dar as mãos por costume. O nosso "boa noite" ficou tão seco que se tornou mecanizado.Quando surgiu o convite para trabalhar em Lisboa, o alívio foi comum. Eu parti e ela ficou. Aos poucos ela deixou de atender o telemóvel, e eu de responder às mensagens. E agora ali está ela, ou melhor estava. Saio a correr para a encontrar, mas no meio da multidão que caminha apressada não consigo descobrir para onde foi.Volto para dentro do café e termino o pequeno-almoço. Recebo a mensagem da minha secretária com a agenda de hoje. Esqueço por agora a Catarina e encaminho-me para o edifício onde trabalho, com a sensação de que vai ser um dia longo. Passo grande parte do dia em reuniões e só o meu cargo me obrigava a continuar ali. Estava distraído, só o corpo permanecia, a mente está bem longe. Atravessa as paredes deste escritório até Coimbra. Durante 15 anos, mantive a lembrança de Catarina num lugar escondido da minha mente e coração. E agora essas lembranças voltam com uma força esmagadora. Dos momentos que tivemos. No prazer da sua companhia, do carinho e da intensidade do que vivemos.

- O que fazia em Lisboa? O que tinha feito estes anos? Seria casada? Teria filhos?

Perguntas que teimavam em proliferar na minha mente e para as quais não tinha resposta. Não tinha o contacto de ninguém que nos tivesse conhecido aos dois.

- Dr. Sérgio? A voz da minha secretária faz-se ouvir pelo intercomunicador e traz de volta os meus pensamentos ao escritório.

- Diga Susana.- Tem aqui o Dr. Fontes para falar consigo.

- Mande entrar, por favor.Levanto-me e fico de costas para a porta. Lá fora o sol quase desapareceu e continua a chover.

- Dr. Sérgio, apresento-lhe a Dra Catarina Pires, a nova jurista da empresa. Volto-me lentamente, incrédulo. À minha frente estava a Catarina. Os anos não passaram por ela, trazia um conjunto discreto de saia e casaco. Levemente maquilhada e cabelo solto.Dirigi-me até ela, estendi a mão e cumprimentei.

- Seja bem-vinda à nossa empresa Dra Catarina.Senti um choque quando as nossas mãos se tocaram. Sorriu timidamente e agradeceu. Sem soltar a minha mão, olhou-me fixamente. No seu olhar a surpresa era evidente e deixava transparecer tantas perguntas como as que eu tinha. Depois de cumpridas as formalidades que a entrada de um novo elemento requeria, Catarina saiu do meu escritório acompanhada do Dr. Fontes. Quando se despediu, reparei que olhou fixamente para a minha mão esquerda e eu fiz o mesmo com a dela. Não trazia aliança. Escolhas. A nossa vida é baseada em escolhas e nos caminhos aos quais elas nos levam. Para cada escolha, ponderamos os riscos envolvidos e, tendencialmente arriscamos sempre menos. No amor não é diferente. E na altura fiz uma escolha, que agora não sei se foi a mais acertada. Rever a Catarina trouxe lembranças e fez reacender sentimentos que julgava esquecidos.Ao sair do edifício deparo-me com a Catarina à minha espera.

- Dr. Sérgio podemos falar?

- Dr. Sérgio?! Dou uma gargalhada como não fazia à muito.

- Tanta formalidade Catarina ou será Dra Catarina?

Aproximo-me e e digo-lhe junto ao ouvido:

- Podes fazer de conta que não sabes quem sou e muito menos que mexo contigo, mas uma coisa tenho como certa. Não me esqueceste, assim como eu não te esqueci. Arregala-me os olhos com uma cara que era uma mistura de irritação com desespero. Aproximo-me muito sério, pego-lhe na mão e digo:

- Anda, vamos tomar um copo para pôr a conversa em dia. Sem resistir, segue-me até ao café de onde a tinha visto a primeira vez nessa manhã. Escolho uma mesa mais recatada e depois dos pedidos feitos, instala-se um silêncio ensurdecedor.

- Catarina, o que fazes aqui?

- Tento recomeçar. Ou melhor pensei que era isso que ia acontecer. Até te ver hoje e perceber que me vim meter onde não queria estar neste momento.

- Recomeçar? Pergunto sem saber que resposta esperar.

- Casaste Sérgio? E tens filhos? Pergunta desviando a conversa.

- Sim, casei à 6 anos e tenho 3 filhos rapazes. Dois gémeos e um com 1 ano.

- 3 filhos? Sempre quiseste ter uma equipa de futsal, disse esboçando um sorriso triste.

- E tu Catarina? Fazia-te casada com aquele advogado de Coimbra e com filhos.

Fica cabisbaixa e sussurra

- E era. Divorciei-me à cerca de um ano. Sem filhos. Ele era infértil. Acho que foi uma das razões para o casamento não ter resultado.

Fiquei sem saber o que dizer. Ela mudou novamente de assunto. Perguntando como era o trabalho na empresa. Conversamos sobre um pouco de tudo, menos sobre as nossas vidas pessoais.

Decisão para ser felizWhere stories live. Discover now