Enquanto as chamas crepitam, acompanho o relato de Rurik sobre os acontecimentos da minha vida. Em alguns momentos, suas informações se tornam deficientes, levando-me a interferir. Magnus escuta cada palavra em silêncio, mas consigo captar suas emoções pelos traços de suas expressões. Analisando sua fisionomia, consigo captar ângulos e formas que vejo em meu rosto ao encarar um espelho.
Então é de você que herdei essas covinhas irritantes?
Quando narro meu período no castelo real, faço questão de omitir alguns dados. Meu pai parece ficar enfurecido com a decisão do capitão em me enviar à Aurora Negra.
Realmente gostaria de jamais ter estado lá.
Com a chegada de Magnus, meu coração parece ter se inflado, comprimindo e amortecendo todas as dores que o perturbam. Estar ao seu lado traz a sensação de pertencimento que jamais experimentei.
-Vocês não souberam nada sobre a Siena? -Magnus questiona depois de um tempo.
-Não. Após deixar Scarlett em Marina Azul, Siena desapareceu e não tivemos mais notícias suas. -Rurik conta.
Magnus permanece pensativo, preso em meio as suas lembranças. Seus olhos ficam opacos por alguns segundos até que ele retorna à realidade.
-Nós vamos encontrá-la. -Ele afirma com veemência e segura em uma das minhas mãos.
Sorrio para sua confiança inesperada. De alguma forma, sei que minha mãe virá ao meu encontro.
-Você também consegue se transformar em lobo? -Magnus pergunta abruptamente.
Sua espontaneidade me pega desprevenida e tenho um ataque de riso por conta do nervosismo. De todos os momentos para isso acontecer, esse é o pior deles. Consigo ver espelhado em seus olhos a esperança de que tenhamos mais esse detalhe em comum além de portar o mesmo sangue.
-Desculpe. -Digo, tentando conter o riso enquanto todos me fitam como se eu fosse maluca. -Creio que não nasci com esse dom. -Falo, um pouco envergonhada. -Porém, também não possuo asas! -Digo, tentando diminuir seu descontentamento ao minimizar minhas semelhanças às fadas e ele sorri por conta de minha reação.
-Creio que o mais sensato seja nos recolhermos. Amanhã teremos um longo caminho até o acampamento lupino. -Lírida fala, dando fim ao meu constrangimento.
De forma unânime, concordamos com minha tia. Magnus deposita um beijo em minha testa e parte para a tenda de Rurik, mesmo que eu não concorde que essa seja a melhor opção. Ainda que ele tente disfarçar, consigo captar um certo ar de decepção por eu não ser uma lupina.
Sentindo meu corpo amortecido, caminho em direção à minha cabana. O cansaço preenche cada célula do meu corpo e me leva a acelerar os passos em direção à minha cama.
-Podemos conversar? -Kayke pergunta, vindo atrás de mim e impedindo a concretização dos meus desejos.
Ao encarar seu semblante angustiado, não consigo responder de maneira negativa ao seu pedido. Gesticulando afirmativamente, deixo-o falar.
-Quero me desculpar por nossa briga em sua tenda, não tenho o direito de julgar suas ações. Sei que meu comportamento foi infantil e imaturo. -Ele começa, parecendo sincero.
-Sei que você não consegue se conter. -Repondo inconscientemente, já que provocá-lo é algo inerente a nossa relação.
-Às vezes, lidar com você é impossível. -Ele fala esfregando as mãos no rosto.