Seis: Um sorriso fraco

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A volta no carro da mãe de Trixie foi silenciosa, Katya tinha combinado de dormir na casa de Trixie depois da festa, mas agora se sentia enjoada, queria ir para casa. Trixie também só queria ficar sozinha naquele momento, só queria sua cama, fechar os olhos e fingir que aquele dia nunca aconteceu. Aquele dia estava durando séculos. Mas ambas sabiam que se dissessem algo desencadeariam uma discussão que não conseguiriam segurar. Então, quando as meninas chegaram na casa de Trixie, ao invez de ver filmes, tentar fazer pipoca de quase explodir o microondas e conversar até as cinco da manhã como de costume, elas colocaram o pijama e arrumaram o quarto para dormir. Trixie puxou a parte de baixo da bicama para Katya, o que não era usual, já que geralmente as meninas dividiam a cama de cima, e naquele momento Katya soube que estava encrencada.
As luzes foram apagadas e cada menina em sua cama virou para o lado e começou a checar o celular. Porém, Katya achou estranho a quantidade de mensagens no chat de um grupo da escola.
"É verdade que a Zamo é sapatão?"
"A Suzan disse que viu ela com uma menina de outra escola na festa da Danny"
"Vocês idiotas sabem que eu to nesse grupo né!?"
"Qual é Zamo, é só fofoca deixa disso"
"Siim foi mal amiga, é só boato"
Katya saiu do grupo

Isso vai me dar um puta dor de cabeça Katya pensou, desligou o celular e fechou os olhos tentando dormir.
Trixie também estava naquele grupo, ela viu a conversa e sentiu uma pontada de desespero, pensou em falar com a Katya. Mas não conseguiu, não agora, ela pensou.

Na manhã seguinte, quando Trixie acordou, sua cabeça doia e o enjoo e a ressaca da noite anterior consumiam a menina que não conseguia sair da cama.
"Trixie você ta bem?"
"Eu to ótima"
"Trix, você tinha que ver a sua cara, você ta de ressaca?" A menina ria;
"Cala boca idiota" Trixie joga o travisseiro em Katya, que estava do outro lado do pequeno quarto arrumando a mochila.
"Você não vai ficar pro café?"
"Uhm, eu tenho uns troços pra resolver"
"Katya é domingo"
"Ahm-"
"Você disse que ia passar o fim de semana aqui"
"Okay tudo bem" Katya sorriu, e se sentiu aliviada pelo fato de Trixie não parecer mais chatiada com ela, talvez ela nem se lembrasse do que tinha acontecido na festa.
As duas meninas descem para cozinha, onde a mãe de Trixie prepara o café da manhã.
"Queria a Katya vai para igreja conosco hoje?"
Merda Trixie tinha se esquecido completamente que para sua mãe, domingo era dia de ingreja, sua cabeça ainda latejava pela ressaca mas ela tinha que fingir que estava bem, pois se sua mãe descobrisse que ela bebeu, ela estava fudida.
"Na verdade tia, acho que Trix não ta muito bem pra ir, ela ta enjoada, parece meio febril, acho que pode ser uma virose"
Trixie e Katya se entreolham como se pudessem se comunicar mentalmente, e com o tempo que se conheciam, era como se realmente pudessem.
"Uhm, vou pegar o termômetro para ver então." A mãe pega o termômetro e põe na boca de Trixie.
"Tia pode pegar aquele ceral com marshmallows pra mim?"
"Tudo bem querida"
E quando a mãe se Trixie se vai para dispensa procurar o cereal, Katya tira o termômetro da boca de Trixie e enfia no café quente por alguns segundos, tira, e enfia denovo na boca de Trixie rapidamente.
"Acabou o cereal, meu amor. Agora vamos ver essa temperatura. Nossa cinquenta e dois graus, tudo bem pode ficar em casa. Você fica de olho nela pra mim, Katya?"
"Claro tia, pode ir tranquila."
"Tudo bem, Trixie querida, o Robert volta do quartel ás seis, tudo bem?"
Trixie engole seco com a menção ao nome de seu padrasto, ela o odiava.
"Tudo bem mãe."
"Tchau meus amores."
E assim a mãe de Trixie pega o carro e faz seu caminho até a igreja, deixando as duas meninas sozinhas em casa.
"Kat, você não vale nada"
Katya ri e da de ombros;
"De nada" diz ela com um sorriso.
"Ta, agora pega uma aspirina pra mim alí em cima, vai"
Eram dez horas da manhã, e as meninas estavam no sofá tentando decidir que filme assistir, como sempre fazem.
"Por favor Trix, eu juro que se a gente vir Contact dessa vez eu nunca mais, nunca mais mesmo, te peço pra ver, por favoor"
"A gente já viu esse cinquenta mil vezes, ah não, escolhe outro"
"Aff ta bom, chata"
"Esqueceu de boba e feia"
"Que tal.. uhm.. Uma linda Mulher?"
"Você só pegou esse por causa da Julia Roberts- pera- Você tem um crush na Julia Roberts!?"
"O queee?" Katya disse quase rindo "Magina..."
"Você tem um crush na Julia Roberts! Uau isso explica muita coisa" Katya levanta as sobrancelhas "Na verdade descobrir que você é lesbica fez tudo fazer sentido, isso explica você nunca ter tido um crush, pera, você já teve uma crush?" Katya corou com a pergunta, que a fez sentir um tanto frustrada, ela sabia que ela tinha tido uma crush na vida mas... ela não queria debater sobre isso com Trixie hoje, talvez nunca.
"Nunca crushei ninguem ta doida?"
"E aquela garota..." O olhar de Trixie de fixou em suas mãos enquanto estalava os dedos como que para conter ansiedade
"Ela é legal, eu gosto dela, mas sei lá, sabe?"
"Não, eu não sei" as duas garotas riram;
"Então Uma linda mulher?"
"Ta pode ser"

Era segunda feira, e Katya caminhava pelo corredor da escola sentindo os olhares e os susurros. Tinha se espalhado. Óbvio que tinha, e o pior de ter uma fofoca dessas espalhada por aí sobre você é que você acabada sendo rebaixado de ser humano á um boato abstrato, e tudo que aquelas pessoas que mal te conheciam sabem era uma fofoca, tem algo um tanto desumano nisso, seres humanos são formados por milhares de traços complexos de personalidade, para serem resumidos em um só rótulo, e agora Katya teria que lidar com o seu rótulo: Sapatão
A menina já imersa em pensamentos entra na aula de biólogia em silêncio. Ainda estava refletindo sobre o peso que aquela palavra teria em sua vida de agora em diante. Era algo que ela teria que carregar, era algo que ela decidiu levar consigo da forma mais leve que conseguisse, pois era a verdade. Ela era sapatão, e nada ela podia fazer sobre isso se não viver sua vida. Katya sentiu se orgulhosa da forma como lidou disso com maturidade. Porém...
"Outs, Terra chamando Katya" Trixie chamava a atenção da menina
"Que foi, mo?"
"Expalharam um boato de que você é sapatão, e agora?" Trixie disse num tom de preocupação como se uma sentença de morte tivesse sido dada a sua amiga
"Mas eu sou sapatão, Trixie" Katya respondeu quase rindo.
"Mas você não ta com medo?"
"De que?"
"Sei lá, e se seus pais descobrirem?"
"Ai nesse caso eu espero que você tenha roupa preta pra usar no meu funeral"
"Eu to falando sério! Eu to preocupada com você"
"Trix, isso é muito fofo, mas eu sei me virar, okay?" Trixie ficou vermelha "como você pode ficar tão 'okay' com isso?"
"Eu vou ter que lidar com ser chamada de sapatão até o dia da minha morte, Trix, é bom eu me acostumar, né!?"
"Não fala uma coisa dessas!"
"O que? Morte? Todo mundo morre trix"
"Katya..."
"Me fala oque tá de errado, pq alguma coisa ta errada"
"Bem..." Trixie começa com um olhar baixo, dando a entender que ia falar de algo que era realmente muito difícil para ela "...minha mãe ontem me levou no culto da noite depois que você foi embora..."
"E..." Katya disse impacientemente,
"E, nesse culto, alguns pais levaram seus filhos para receber a 'cura gay' e..." Trixie não aguenta e começa a chorar "Foi horrível Kat, eles choravam e clamavam e imploravam para 'deixar de ser assim' porque eles se sentiam...  errados" Trixie dizia entre soluços, enquanto Katya, já entendendo oque estava acontecendo colocava a menina soluçante em um abraço. "El- eles tentavam tirar de si algo que não da pra tirar, depois eu fui ver" Trixie desfaz o abraço para olhar no rosto de Katya "muitos deles tem depressão, eu to muito assustada"
Katya não soube reagir de outra forma se não olhar tristemente para Trixie. Ela não sabia o que fazer para acalmar a menina, e todo aquele papo parecia muito estranho e confuso para ela. Katya não acreditava que Trixie (ou qualquer pessoa) poderia chorar daquela maneira no meio da escola, por uma luta que em tese não era dela. Mesmo se ela estivesse muito preocupada com Katya, algo, simplesmente não se encaixava. A não ser que... Trixie estivesse 'no armário'.
Katya sentiu algo dentro de si se revirar com esse pensamento. Não era possível que Trixie fosse lésbica, já que Katya já ha viu cair de amores por diversos meninos, certo!? E se houvesse, mesmo uma pequena chance de isso ser verdade, então... todos esses anos em que Katya era apaixonada por Trixie não seriam em vão? Katya tentou afastar esse pensamento e reprimi-lo o mais rápido possível, como havia feito nos últimos anos. Ela não queria criar nenhum tipo de esperança de ser amada de volta por Trixie. Pelo menos não do jeito que ela a amava.
"Ei, que tal um sorvete hoje? Eu pago."disse Katya limpando as lágrimas no rosto de sua amiga "Seria legal" respondeu Trixie com um sorriso fraco.

Crescer É Perigoso [Em Hiatus/Revisão]Where stories live. Discover now