Afasto-me do espaço reservado para os maquiadores, onde meu mundo de fantasias se aflorou por um breve momento, e corro para fora do estúdio. Eu não quero ganhar uma bronca no meu primeiro dia, então caminho o mais depressa que consigo sem parecer uma mulher desesperada. O estoque fica no fim do corredor. Meus braços curtos conseguem abraçar dez garrafas d'agua com segurança, porém, se eu conseguir encaixar mais três em baixo do pescoço, não precisarei voltar para buscar mais.

Com cuidado, equilibro meu carregamento da melhor forma possível e saio apressada, de volta a sala.

O décimo andar do prédio da revista está abarrotado de componentes da equipe e de modelos que esperam a sua vez para estar na frente das câmeras. O tema da sessão de hoje é "O inverno congelante". Casacos pesados e gorros felpudos vestem quem será fotografado para a edição do próximo mês. Os maquiadores capricham nos make-ups grunge e eu acho que esse estilo selvagem combina perfeitamente com as cores escuras dos figurinos.

Observar os maquiadores me fez questionar se um dia serei tão boa quanto esses profissionais. Quer dizer, a insegurança sempre foi meu maior problema, mas eu sei que tenho talento. Eu dei duro no curso de maquiadores, fui a melhor aluna da minha classe, até recebi propostas de emprego em salões na minha cidade, mas não era isso o que eu queria fazer. Eu queria trabalhar no meio da moda, queria fazer parte desse mundo fantasioso e deslumbrante, eu queria estar aqui. É o sonho de uma menina que cresceu pesquisando tutoriais na internet e colecionando revistas. Essa garota está lutando por seu sonho e eu estou orgulhosa dela. Estou orgulhosa de mim, mesmo que eu esteja começando por baixo.

Meus pés fazem um bom trabalho em desviar das araras de roupas espalhadas pelo local, o que é algo de se admirar já que sou classificada como uma pessoa desastrada desde que, acidentalmente, derramei leite quente em minha irmã mais velha quando eu tinha seis anos. Denise ainda tem uma pequena cicatriz da queimadura para provar isso. Toda vez que brigamos ou chegamos a um impasse, ela aponta para a pequena marca em sua coxa e a culpa me consome.

Eu odeio que ela saiba me manipular desse jeito.

Como se meu karma quisesse reafirmar esse ponto, alguém sai apressado da terceira porta lateral e dá um encontrão potente com meu lado direto. É quando as coisas ficam bagunçadas.

Eu deveria saber que o desastre me acompanha em todos os lugares.

Meu corpo é empurrado para esquerda de um jeito contorcido, como uma bola de futebol girando a caminho do gol. O corredor fica borrado diante dos meus olhos. Tenho a sensação de estar em câmera lenta. Meus braços tornam-se flácidos e as garrafas se desprendem do meu aperto, voando pelo ar como fogos de artifício. Vejo o chão se aproximar e me preparo para o impacto.

Eu não tenho um plano de saúde, é a primeira coisa que vem a minha mente.

Mas ao invés de cair no chão, eu me sinto suspensa no ar. Longos braços se enroscam ao meu redor e me estabilizam antes que meu corpo se esborrache como uma fruta madura. O som de plástico sendo amassado se eleva sobre o barulho do local quando garrafas se espalham pelo piso e aumentam meus batimentos cardíacos.

O som é ensurdecedor.

Bem, não muito. Talvez, apenas para mim por causa do meu pânico.

— Droga! — Uma voz masculina fala bem próximo.

Congelo com o som.

Meu cérebro registra mãos em meus quadris. Minha lateral está pressionada a um corpo sólido. Mechas do meu cabelo se soltam do rabo de cavalo e fazem uma bagunça no meu rosto.

Giro a cabeça devagar e olho para o lado. Avisto um peitoral bem construído. Meu olhar sobe e encontra um pescoço forte, lábios masculinos entreabertos e um par de olhos me fitando.

Por Trás das Aparências (RETIRADO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora