Perto do coração ateu

2 0 0
                                    

Meu caro amigo. Amigo do coração que sempre foi um cara blindão. Um tanque de guerra a paisana que distribuía flores sem pisar no chão, pairando no ar das emoções. Diferente de nós reles mortais que sonham em viver um romance de novela, de série ou de filme do corujão.

Cadê o cara que dizia: "meu coração é ateu, graças à deus". Enquanto eu respondia: meu coração é comunista se der mole eu tô na pista. Cadê o conselheiro de todos os textos de amor que escrevi e não soube como terminar porque só queria que meus personagens se dessem bem. Hipersigilando entre uma palavra e outra um nome impronunciável à luz do dia mas que sussurrava a noite inteira enquanto dormia.

Sim, era seus olhos que estavam diferentes. Ele ainda era o mesmo durão falando que queria apenas sexo quando eu zoava mas agora seus olhos estavam de um jeito que sei lá. Na verdade eu sei. Meus olhos também já brilharam assim. Ainda brilham e eu até que acho legal. Amar nos faz idiotamente criativos.

Ele estava tão quieto essa semana. Nem parecia o mesmo de sempre, sorridente e falante. Alegre e cantante. Havia algo de estranho com ele. Aqueles fones enterrados no ouvido quase sempre, tocando uma musiquinha que ele nunca deixava eu saber qual era. Mostrei o novo álbum da banda preferida dele mas nem me deu bola. Falei da nova temporada da série que ele curte e ele apenas disse que iria ver qualquer hora.

Ele faltou dois dias seguidos e acho que só eu mesmo poderia saber o que estava acontecendo. Eu percebi que seus nervos ficavam visivelmente a flor da pele quando um certo alguém chegava perto de nós. Como um Xerox Rolmes do amor eu não demorei a me ligar. As palavras que ele escolhia para completar os exercícios não eram costumeiros em sua voz. Usava objetos indiretos mas que eram diretos para quem tivesse os olhos de quem já sofreu por amor.

Isso tudo é elementar meu caro leitor. Ainda faltava uma peça para eu entender por que ele ficou assim tão de repente. Eu não conseguia entender como um cara bonitão, inteligente e como auto estima invejável estava daquele jeito. Estava quase indo pra debaixo da ponte como diria o velho Buck.

Certo dia eu estava na biblioteca quando sem querer encontrei aquela que faz o coração do meu amigo rezar uma novena para Vênus. Ela estava conversando com uma amiga na mesa enquanto eu procurava alguns livros na prateleira atrás delas:

— Ah amiga, eu tô tão triste que você vai embora.

— Eu também. Só deus sabe o que a gente passou até agora — Disse a prometida com voz chorosa.

— Esse presidente filho da puta porque invés de cortar verba ele não corta o próprio pinto murcho já que ele não deve usar pra nada mesmo.

— Haha você é foda miga. Vou sentir muita falta você, sua desbocada.

— Você vai quando?

— Vou no fim de semana. Minha mãe já até comprou a passagem. — Respondeu abraçando a amiga que começou a chorar. — Calma amiga, eu só vou trancar o curso. Quando tudo melhorar eu volto pra terminar — Ela disse isso com as lágrimas também escorrendo pelo rosto corado de sol. Eu sabia que ela não voltaria. Meu amigo também sabia. Todos sabiam.

Peguei meus livros e fui para casa. Liguei a tv, acendi um cigarro. A mesma coisa de sempre: sangue espirrando da tela ou qualquer outra abobrinha mentirosa e sem sentido para assustar quem só está preocupado consigo mesmo ou tentando sobreviver e não sabe o que se passa por aqui. Ninguém sabe o que passamos para chegar até aqui. Nós só queremos estudar man. Meu amigo apesar de durão só queria amar também. Como diz aquela canção: Nisso todo mundo é igual. Anjo do bem, governo do mal.

Perto do coração ateuWhere stories live. Discover now