Capítulo 19

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Ele queria ser Simon Basset.

Não pelo ducado. Não pela escandalosa fortuna. Ele desejava possuir a determinação ferrenha que seu tio reunira para vencer suas próprias limitações. Ao longo dos anos, George acreditara ser esse o desejo de sua família também. Eles eram ponderados demais para externar seus anseios, no entanto,  era impossível não perceber que esperavam para o pequeno George o mesmo milagre que se operara no duque de Hastings. Quando suas esperanças, contudo, revelaram-se inúteis, um sentimento de resignação recaiu sobre o lar da família Bridgerton. George ainda era amado.
George ainda podia brincar juntos com seus primos pelo campo. George ainda provocava sorrisos nos lábios de sua mãe. Mas, de todo modo, a despeito das palavras de consolo e incentivo que recebia, seu coração foi inundado por uma sensação de fracasso, como se ele tivesse decepcionado o mundo. Falhado no teste.

— Você é um menino forte e inteligente. — dissera sua mãe, um dia antes dele começar seus estudos na escola. Ele ainda não falava, mas era um bom ouvinte. — O mais inteligente que já conheci. É possível que... alguns que alguns meninos digam certas coisas para você na escola e... Você precisa ser paciente e lembrar de ser gentil.

Aquilo o confundira. No dia anterior, seu pai o havia ensinado a fechar suas mãos em punhos e enrijecer os dedos com bastante força para que o golpe saísse com mais pressão. A princípio, o menino não compreendera o proveito que tiraria daquela aula excêntrica.

— Se tentarem lhe dar um soco. Você desvia assim. — explicara Colin, fazendo um movimento rápido — Então usa o punho direito e acerta bem aqui . — tocou levemente no queixo do filho. — E agora o mais importante, não conte para sua mãe sobre nada do que eu disse, entendido?

George assentira, divertido.

Agora, contemplando os destroços do que um dia fora uma sala utilizável, e até mesmo consideravelmente charmosa, duas horas depois de seu pai enfim deixá-lo na companhia de seus próprios pensamentos, o silêncio que sempre fora familiar, como um pedaço de seu corpo, começava a incomodá-lo. Desafiá-lo.

***

Cristo, uma hora ela teria que deixar de ser tão tola! Era véspera do seu casamento, e Emma ainda acordava sobressaltada, com a expectativa cambaleante de que George Bridgerton irromperia porta a dentro da propriedade, em um arroubo apaixonado, confessando-lhe sua mais profunda afeição e rogando -lhe que se casasse com ele ao invés de Peter Thompson. Ou então, talvez, George tivesse arquitetado um elaborado plano para raptá-la e a levar até Gretna Green na Escócia, para que nenhuma convenção social fosse capaz de impedir dois corações de se unirem. Também havia a hipótese de uma fada, ou um gnomo, surgir no meio de seu quarto e usar mágica para ajeitar sua confusa vida.

A outra opção era enfrentar a realidade, e embora fosse a mais dolorida, Emma sabia que precisava parar de imaginar dezenas de finais diferentes, quando era consciente que nenhum deles iria acontecer.

Cumprindo seu dever, ela deixou que sua criada pessoal a arrumasse para o jantar daquela noite. Tia Dothe não reagia bem a atrasos quando ela era a anfitriã. Emma suspirou ao ver sua imagem no espelho. Uma galinha dos ovos de ouro, era isso que era? Certamente Peter Thompson estava mais interessado em seu dote do que em suas virtudes naturais. Não houve qualquer fagulha de emoção no pedido dele, pelo que Emma não podia culpá-lo, visto que não houve nenhuma emoção de igual modo em seu consentimento.
Nenhuma emoção agradável, ao menos.
Possivelmente, seu futuro marido permitiria que ela escolhesse uma de suas propriedades no campo para viver, enquanto Peter permaneceria em Londres, um exemplar casamento inglês. Ela buscaria ocupar seus dias com um belo jardim para cuidar, longas caminhas ao início da manhã, e livros, estava determinada a ter muitos livros, romances aclamados e repletos de finais felizes.
Ela amaria os mocinhos das histórias de amor. Por que não? Personagens fictícios também carecem de afeto.

Já no salão de Tia Dothe, uma hora depois, enquanto o jantar era servido e elogios amáveis eram rendidos a anfitriã, Emma permanecia calada. Quando o assunto referia-se a sua vida de casada: onde passariam o inverno, para onde viajariam durante a lua de mel, ela deixava que Peter respondesse em nome dos dois, o que ele fazia sem nenhuma hesitação. Se um olhar insistente a olhava por mais tempo que o necessário, ela forçava-se a menear a cabeça, em sinal de concordância, para satisfazer sua pequena plateia. Havia cerca de cinquenta convidados à mesa, para os padrões exagerados de tia Dothe tratava-se de uma reunião íntima. Vozes preenchiam qualquer espaço de silêncio e Emma ficou grata por sua interação na conversa ser totalmente prescindível no momento.

Até que o nome de George foi mencionado e cada célula do corpo dela despertou do seu estado de letargia.

— Pobre criatura... — Cressida Cowper dizia e Emma perguntou-se por que aquela velha maldosa havia sido convidada para o jantar.

A linguagem do coração Where stories live. Discover now