Oito

1.1K 123 14
                                    

Estico as algemas para Arcen assim que ele abre a porta do banheiro de novo, o tempo todo mantendo minha pistola apontada. Ele suspira alto e fecha as algemas ao redor dos pulsos. Confiro se estão presas mesmo antes de guardar minha pistola e voltar para a cabine, ignorando o olhar irritado de Arcen. Tarde demais para achar ruim eu não confiar nele. Se vai ficar irritado por isso, deveria ter pensado melhor antes de se enfiar nos esquemas de abduções...

Ou ser enfiado, se for acreditar na história que ele começou a contar.

Me sento na cadeira de piloto e ligo os monitores por puro hábito. Quando olho para trás, Arcen ainda está parado na porta da cabine, olhando ao redor como se não soubesse para onde ir.

Suspiro. Preferia quando ele estava agindo como o sabe-tudo incapaz de errar. Essa história toda de contar o passado e ter esses momentos em que ele parece estar um pouco perdido não são nada bons para mim. Não mesmo.

— Então seu pai descobriu DNA terráqueo nos drillianos e achou que era uma boa ideia pegar cobaias terráqueas — falo.

Ele encara a outra cadeira por um instante antes de entrar na cabine e se sentar, fazendo questão de não olhar para mim.

— Ele começou a negociar com os mercadores, escolhendo as amostras no padrão que ele pensava que seria melhor e tentando encontrar a relação entre as amostras. Era a forma mais rápida de conseguir o que precisava e garantir que mais ninguém transicionasse espontaneamente.

Óbvio. Bem conveniente a mãe dele ter morrido por causa de uma transição espontânea. Bem conveniente mesmo - é o tipo de justificativa que ninguém questionaria, se alguém fosse contra os planos do pai dele. Ou talvez eu esteja sendo paranoica demais, mas depois de tudo que já vi no Acordo, não duvido de mais nada.

Arcen se vira para mim.

— Ele conseguiu. Ao menos o suficiente para manter as transições espontâneas sob controle, mas conseguiu. Os primeiros modificadores foram repassados para a população menos de dez anos depois da morte da minha mãe.

Dez anos, para um tratamento para um defeito genético... Posso não ser da área científica, pesquisa ou coisa do tipo, mas tenho a impressão de que isso é rápido demais para uma coisa dessas ser desenvolvida e testada.

— Mas ainda não era algo definitivo nem completamente estável. Tivemos acidentes... — Ele balança a cabeça. — Meu pai transicionou depois de testar uma nova leva de modificadores. Ele tinha certeza que aquela era a resposta, mas estava errado.

Ai.

Arcen dá de ombros.

— E isso tinha sido toda a minha vida. As pesquisas, os estudos... Tudo o que aprendi foi pensando nisso, tudo o que planejei para mim sempre girou em torno dos laboratórios e de achar uma cura. Era natural continuar o trabalho do meu pai, usando os métodos dele.

Claro que era. É extremamente natural usar pessoas como cobaias, sem ter permissão delas nem nada do tipo. Perfeitamente natural.

Se ele acha que contar essa historinha vai me fazer ficar com pena, está muito enganado.

— A questão é que as pesquisas não saíram do lugar. Não importava o que alterássemos, novas descobertas, parcerias com outros grupos de pesquisa... Os erros fatais continuavam. Até que precisei admiti o que meu pai se recusou a aceitar.

Suspiro.

— Não tem como tirar isso do DNA de vocês — falo.

Arcen me encara, sem falar nada. E acho que estou me acostumando com as variações na expressão vazia dele, porque tenho certeza que está surpreso.

Arcen (Filhos do Acordo 7) - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora