Capítulo 1 - Tyler

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     Dema propriamente dita não é o melhor lugar do mundo, mas depois de certo tempo aqui, você se adapta e se torna um lugar mais agradável do que qualquer outro. Não, agradável não, aceitável é a palavra que se encaixa melhor. Eu mesmo, já não tenho mais nem ideia de quando cheguei aqui, ou o que me trouxe. Minha mente é cheia de lacunas em branco que não sei como preencher, ou como recuperar essas lembranças.

     Vivemos sob o vialismo. Um regime totalitário liderado por nove bispos, e estes vivem na torre do silencio no centro da cidade. A cidade é dividida em nove distritos, cada um liderado por um dos bispos, mas o membro de um distrito, nunca vê o líder de outro, ou seja, eu só conheço o meu mestre, ele se chama Keons. Mas apesar de não sabermos como são os líderes dos demais distritos, já ouvi falar que alguns são mais "DUROS" e até mesmo "VIOLENTOS". O único momento em que os moradores podem ver os bispos reunidos, é durante o ritual dos túmulos de neon, e quem vê esse ritual, não volta para contar como eles são.

     Uma das regras mais básicas de DEMA: Nunca, jamais, ultrapasse os muros. A cidade é cercada por campos extensos, mas não muito longe, entre os canyons, fica o lugar em que Keons chama de Trincheira, e é lá que mora o perigo. Todos que fugiram, e foram recuperados, voltaram loucos, precisando de um tratamento de choque e limpeza.Além de muitos nunca mais serem encontrados.  Não entendo o porque tentam fugir. Keons e os outros só querem acabar com nossa dor.

     Em todos os distritos são divididas tarefas para nos ocuparmos por certa parte do dia, depois passamos por conversas diárias com nossos líderes, e então podemos enfim ir para os quartos dormir. Eu trabalho na limpeza das áreas públicas do distrito 7. Eu e mais vinte pessoas, todas equipes são formadas por vinte e uma pessoas. Todos são extremamente anti-sociais, ainda bem, porque acredito que não só eu, mas todos aqui, gostam de ficar isolados sem ter que falar muito com ninguém. Mas em nosso grupo há uma exceção: Zack.

     Hoje é dia de limparmos o pátio perto dos dormitórios, e temos que faze-lo logo para irmos ter nossa reunião diária com  Keons. 

     - Já faz algum tempo desde nosso último banho de sol ein Tyler. - Zack fala se aproximando de um banco de concreto e se sentando.

     - Temos que terminar a limpeza, e além do mais quem se importa com isso? Quero ir para o dormitório logo.

     - A qual é, se senta ai vai. Já estamos quase terminando e temos bastante tempo ainda até ver Keons. 

     Me sento num banco próximo ao dele. Olho para o céu nublado e sorrio.

     - Olha, um sorriso. Gesto raro em DEMA. - Ele fala zombando de mim.

     - Hoje acordei menos cansado que o habitual.

     - Quer dizer, mais disposto? - Zack questiona usando palavras que não estamos tão habituados.

     Ele é o cara mais esquisito do nosso distrito, e talvez de toda DEMA. Usa esse linguajar... Ele até limpa o dormitório! Além de ser o único que gosta de conversar e anda sorrindo. E tudo isso, faz com que Keons não goste muito da presença dele, e nem que nós tenhamos muito contato com ele.

     - Não sei muito o significado dessa palavra. Mas pode ser. -  Respondo aceitando o que ele fala para ver se a conversa acaba.

     - Já se alimentou hoje?  - Ele pergunta tirando uma maçã do bolso e estendendo para mim.

     - Você é o único que se preocupa com essas coisas Zack. Se alimentar, higienizar seu dormitório, e toda essa baboseira que é perda de tempo.

     - Tudo bem, entendo você. Mas só de estar aqui fora, e ainda ser um dos que conseguem se levantar para alguma coisa, já o torna diferente, já o torna forte. Enquanto alguns estão lá trancados... - ele fala apontando para os dormitórios. - Você está aqui, e até conversando.

     - Eles não estão trancados, poderiam estar aqui também, só não querem. - respondo de forma ríspida. 

     - Exatamente!  - Ele fala com um sorriso contido, porém da para ver a empolgação nele.

     Poucos milésimos de segundos se passam e o sorriso dele desaparece, ao tempo que sinto uma mão pesada em meu ombro. Keons.

     - Tudo bem Tyler? - Ele fala com sorriso de canto de boca quando me viro para ele. - Podemos ter nosso momento?

     - Claro! - Falo me levantando.

     Saímos andando em direção aos dormitórios, e quando estamos a alguns passos de distância de Zack, Keons olha para trás e o encara com desprezo. E eu começo a sentir o cansaço voltar para o meu corpo.


     


MORPHWhere stories live. Discover now