#02

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Despertei meio confusa, aos poucos enquanto me espreguiçava eu me recordava dos acontecimentos da noite anterior. Tudo pareciam cenas de um terrível pesadelo mas eu sabia que eram reais. Peguei meu celular que estava ao meu lado na cama e vi que ainda eram 06:45 da manhã, ontem eu dormi cedo e acabei acordando bem cedo, meu pai saía de casa ás 07h e eu não queria vê-lo tão cedo, então enrolei mais um pouco na cama. Por volta das 8h eu me levantei, fui até meu banheiro e tomei um bom banho quente. Saí do banho enrolada em uma toalha azul e me posicionei a frente do espelho acima da pia, liguei meu secador  e sequei toda a extensão do meu cabelo escuro, apliquei um pouco de hidratante facial e saí do banheiro em direção ao meu closet. Precisava estar no orfanato ás 10h pois ás segundas eu era voluntaria de atividades com as crianças. Vesti um vestido envelope de cor azul bebê estampado de florzinhas brancas e uma sandália de salto meia pata de cor nude. Quando vi que já eram 09:30 Peguei minha bolsa Bolsa Tote Hermès Kelly Ostrich Sellier Bra  beanca e meu smartphone e desci apressadamente pelas escadas. Fui até a porta dos fundos da grande sala de estar revestida de porcelanato branco e paredes em tom de creme e entrei na garagem. Entrei em meu jeep compass branco e abri a garagem pelo controle que ficava dentro do carro e então me dirigi até o orfanato.

Assim que cheguei no orfanato, uma das freiras da recepção me avistou e sorriu pra mim, eu sorri de volta. Conhecia bem todas as freiras do Orfanato Santa Tereza, pois já faziam 3 anos que era voluntária ali e contribuía financeiramente para que nada faltasse para aquelas crianças.

— Boa tarde querida, eles já estão te esperando! — dissa a pequena mulher de cerca de 60 anos vestida do hábito religioso preto.
- Boa tarde irmã Carmen! Estou atrasada, espero que não fiquem chateados. - eu brinquei.
- Eles nunca ficariam chateados com a tia preferida deles. - Ela disse rindo. Corri pelos corredores daquele prédio que possuía uma estrutura antiquada em tons de madeira escura, cheguei na porta da sala de leitura e entrei.

— Boa tarde meus amores! — Eu disse entrando.
um uníssono de "oi tia" surgiu na sala e enquanto eu olhava para aqueles pequenos rostinhos correndo em minha direção para me dar o grande abraço grupal de sempre, todos os meus problemas desapareceram. Eu realmente amava aquelas crianças. Li para elas até a hora do almoço e logo estava novamente no meu carro a caminho de um restaurante para almoçar também. Enquanto dirigia vi meu celular tocar no banco do carona, olhei para a tela e estava escrito "Pai ❤️", revirei os olhos e tirando uma mão do volante eu recusei a ligação. Sabia que ele me chamaria para almoçar e tentaria amenizar a situação. Mas nada poderia amenizar aquilo. Eu parei no estacionamento de um restaurante no centro da cidade e respirei fundo encarando o volante do carro enquanto meus pensamentos estavam bem longe dali.
A ligação de meu pai me trouxe de volta para a minha realidade pendente. O que eu iria fazer? "Você não tem opção." ele disse... Mas e se eu me recusasse? Minha vida inteira iria mudar para sempre. Não só a minha, mas as dos locais que eu ajudo, lugares que tem grande parte do meu coração.
Além do Orfanato Santa Tereza, eu era voluntária e ajudava com recursos financeiros mais 2 locais: Uma Ong de animais resgatados das ruas, onde felizmente pude presentear com um ambiente maior e onde havia capacidade para apenas 50 cachorros e 15 gatos, hoje abrigávamos 200 animais, que recebiam muito amor e carinho, alimentação, assistência médica e muitos conseguiam até mesmo um novo lar com nossas campanhas de adoção. A outra instituição em que eu ajudava, era um Asilo e este foi o primeiro lugar em que eu havia decidido ajudar, foi onde tudo começou. Infelizmente não havia conhecido meus avós, pois meus avós por parte de pai se foram antes mesmo de eu nascer e meus avós por parte de mãe moravam na China e se foram quando eu ainda era uma criança, meus pais foram
ambos filhos únicos então também não tenho tios ou primos. Mas alguns anos atrás, pesquisando sobre minha árvore genealógica para um trabalho da escola, descobri que a irmã mais nova da minha avó materna ainda estava viva e morava no Brasil. O pai da minha mãe conheceu a minha avó que havia vindo com sua família da China para morar no Brasil quando era criança, mas ela sempre sentiu falta de seu País nativo, e por isso após minha mãe se casar ele realizou o sonho dela de irem morar lá, por isso convivi pouco com eles, mas a irmã mais nova de minha avó, minha tia-avó, havia ficado no Brasil e por algum motivo eu nunca a havia conhecido. Fui atrás de informações e descobri que ela estava neste asilo, com 77 anos, então decidi ir lá para conhece-la. Conversando com ela, descobri que eu não á conhecia por que ela era brigada com sua irmã mais velha, e por orgulho, nunca voltaram a se falar. Mas eu via arrependimento nos olhos dela sobre isso. Não perguntei o motivo da briga pois ela não parecia muito confortável em falar sobre isso. Ela não havia tido filhos pois era estéril e por isso acabou sozinha lá depois do falecimento de seu marido. Mesmo que a história fosse meio triste, eu me lembro que descobrir que eu tinha uma tia-avó por parte de mãe foi incrível para mim, ela ainda me contava coisas sobre meus antepassados e sobre a China que eu nunca saberia se não fosse por ela! Minha tia-avó Naomi foi minha alegria por muito tempo, ela até passou a me chamar de netinha e eu a chamava de vovó, e nos nos amávamos muito, eu quis tirar ela de lá mas ela precisava de cuidados médicos constantes pois tinha um problema cardíaco, sempre que eu tinha problemas, eu corria para ela e então ela me acolhia com todo o seu sentimento maternal, acho que precisávamos uma da outra e o destino garantiu que a gente se encontrasse. Uma lágrima percorreu meu rosto enquanto me lembrava dela, ainda me me lembrava de seus grossos cabelos brancos que ela orgulhosamente me contava como haviam sido longos cabelos negros e lisos que dizia hipnotizar os moços de sua época, sua pele era tão clara que quase reluzia e apesar das rugas tinham um tipo de brilho especial, seus olhos escuros e puxados pareciam estar sempre sorrindo, apesar de toda a dor que ela parecia ter vivido, ela não havia se tornado amargurada. Ela sempre estava sorrindo, dizia que havia aprendido muito com a vida, que era muito curta e que não via mais sentido em sofrer. Ela faleceu de parada cardíaca aos 81 anos e isso foi bem difícil para mim, desde então eu havia decidido me tornar voluntária naquele asilo, pois havia acabado me apegando pelo local. Além disso, haviam muitos outros idosos e amigos da minha Tia-avó que amavam ter alguma companhia, eles gostavam de mim e eu deles, então continuei visitando o asilo e logo também me envolvi com ajuda financeira do local.

Almocei e então dirigi para casa, ao longo do caminho não consegui parar de pensar nestas três instituições que eu ajudava e na importância delas em minha vida. Comecei a pensar em como seria se empresa realmente falisse e eu não tivesse mais dinheiro pra ajuda-los, eu jamais poderia arcar com todo este custo, tinham meses que eu chegava á gastar cerca de 300k em doações de alimentos, medicamentos, roupas, reparos, contas... Eu amava a parte de ajudar fisicamente e colocar a mão na massa, isso sempre foi por amor, mas não há como negar que o dinheiro ajudava e muito, eu tentava providenciar mais que o básico para as crianças, os idosos e os animais daqueles locais, eu tentava dar uma vida melhor para eles. E graças a este dinheiro eles podiam ter isso. O que seriam deles? Voltariam a passar pelos problemas de antes, contas atrasadas, as crianças com roupas rasgadas, escassez de alimentos, dificuldades... Eu não poderia abrir mão de tudo isso. Quando Apenas quando cheguei na garagem da minha casa eu notei que lágrimas desciam pelo rosto. Eu me sentia sacrificada naquele contrato, questionava por que precisava ser assim, por que eu precisava fazer isso?

Quando entrei em casa uma das funcionárias da cozinha me avistou.
- Senhorita Hellena. Vai almoçar? Deseja que eu prepare algo? - Perguntou.
- Não, obrigada Marta, eu já comi. Mas você pode fazer aquele seu bolo de cenoura perfeito hoje no café da tarde? - Eu disse, tentando fazer os olhinhos do gato de botas. Ela deu uma breve risadinha.
- Dia difícil? - Perguntou ela. Ela sabia bem que bolo de cenoura cheio de cobertura de chocolate era meu alívio emocional.
- Vida difícil Marta, vida difícil. - Eu disse suspirando e subindo as escadas espirais até meu quarto. Parecia hipócrita dizer isso sabendo a vida que eu tenho, e seria, se ela não estivesse por um fio. E para salva-la eu preciso me casar com um babaca que me causou um belo trauma.

Mas eu estava caindo na real. Meu pai estava certo. Eu realmente não tinha opção. Eu começava a aceitar meu terrível destino. Mais uma vez, eu me joguei na cama e chorei. Eu chorei desesperadamente, chorei até sentir que não haviam mais lágrimas pois eu não tinha saída além de ter que viver um pesadelo.

Depois de algumas horas, decidi faltar o dia na faculdade, pois não estava nada bem. Já era o fim do último semestre e a apresentação do meu TCC seriam no próximo mês, e então finalmente eu me formaria, as provas finais já terminaram, não faria mal faltar apenas um dia. Vesti um pijama de cetim rosa e passei a tarde vegetando no meu quarto, tentei assistir TV mas mal conseguia me concentrar, tentei ler mas minha mente ficava tentando buscar saídas e traçar planos mirabolantes para fugir daquele contrato. Depois de comer o perfeito bolo de cenoura, me senti um pouco melhor. No fim da tarde vesti roupa de ginástica, coloquei meu headset e saí para correr.

Quando era por volta das 20h eu voltei para casa, a corrida havia me deixado bem aliviada mentalmente. Talvez fosse a endorfina, mas eu me sentia totalmente disposta a encarar Liam Suller por 2 anos para salvar a empresa, as instituições e tudo mais que aparecesse no caminho. Eu vi que a Mercedes preta de meu pai já estava na garagem, o que significava que ele já havia chegado, então entrei e fui direto para a porta do escritório dele.

Bati 3 vezes, esperei que ele dissesse para eu entrar e então abri a porta. Ele pareceu surpreso em me ver, tirou os olhos da tela do computador, retirou os óculos de leitura e olhou para mim. Ele não disse nada, parecia esperar que eu falasse primeiro. Eu hesitei por um momento mas a frase "você não tem outra opção" ressoava na minha mente. Eu respirei fundo e disse:
— Pai... Eu vou assinar o contrato. -

Amor em Chamas: O ContratoWhere stories live. Discover now