Receita Controlada

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O médico parecia estar mais cansado e com olheiras mais profundas que as da paciente que afirmava estar há dois dias sem dormir. Ela parecia a sombra de uma pessoa, relatando seus problemas e sua crise recente com o tremor característico na voz e nas mãos magras, muito abatida, em desespero. Agradecia por ter conseguido um psiquiatra a essa hora. Era difícil admitir, mas já estava até pensando em fazer algo drástico, pensamentos que acreditava que seriam afastados com algumas horas de sono.

O médico sabia que, naquele momento, apagar o incêndio era essencial para que ela pudesse aderir ao tratamento em seguida. Ele ouviu a paciente com atenção e fez mais algumas perguntas, até não ter mais dúvidas da necessidade do tratamento. Preencheu devagar a receita especial para que pelo menos por aquelas noites a mulher desconsolada pudesse ter a sua paz bioquímica, com o sono embalado por uma droga hipnótica.

Na farmácia, ela preencheu a receita azul com rapidez, e o balconista, impaciente para fechar a loja, agradeceu em pensamento.

Chegou em casa pouco depois das dez da noite e suspirou aliviada, pois tinha conseguido os medicamentos bem a tempo. Em pouco mais de uma hora, ela já teria tirado a maquiagem e se transformado em uma jovem atraente e sedutora, pronta pra balada. Parecia feitiço da fada madrinha, ela pensou sorrindo, mas Cinderelas são os outros. Ainda com o sorriso irônico no rosto, continuou a esmagar os comprimidos.

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