Ponte Seca

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Ao chegar, pela manhã, apertei o botão para iniciar o computador

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Ao chegar, pela manhã, apertei o botão para iniciar o computador. Sendo um modelo ultrapassado e superlotado de arquivos que insisto em não apagar, a máquina demoraria cerca de cinco minutos para estar com suas faculdades processuais em condições dignas de uso. Enquanto isso, fui até a cozinha pegar um café, cruzei com Cris, também jornalista. Conversamos sobre as pautas da próxima edição. Ele com a reportagem de capa, mais um roubo de carga de tabaco. Eu, a festa das orquídeas, página seis, dentre outras matérias que, segundo o editor, "necessitam de uma sensibilidade maior".

Cinco cliques no mouse e o programa para redigir o texto, os sites de notícia que sempre costumo acessar e o e-mail estavam abertos. Na caixa de entrada um recebido às duas horas e quarenta da manhã. Péssimo horário para se enviar uma mensagem, "só pode ser vírus". O assunto dizendo: "Importante que leia, por favor. Obrigada". Soava como uma típica chamada tentadora, "clique aqui", de vírus.

Jorge já havia explicado para todos do jornal sobre as infecções cibernéticas, como elas podem estragar as máquinas e serem responsáveis por vazamento de informações. Vírus, disse ele certa vez, estão na moda em 2001.

Horário de recebimento atípico, remetente duvidoso, assunto apelativo, tudo parecia compactuar com um filhote de hacker. "E se não for? Só abrindo-o para descobrir". Dedo indicador posicionado no botão e cliquei em cima da palavra "obrigada" com a mãozinha virtual. Abri!

O computador não desligou de imediato, como Jorge avisou que geralmente acontece quando a máquina é invadida, e nenhum sinal do anti-vírus, ao invés disso:

Olá J!

Acompanho suas reportagens, mas não posso me identificar, pois preciso continuar pagando meu aluguel, garantindo uma casa para minha mãe morar.

Estou desde às dez da noite redigindo este e-mail na casa de uma amiga, ela me deixou dormir aqui e usar o seu computador, desculpa se demorei para enviá-lo. O processo foi longo. Primeiro, tive que aceitar a decisão de te escrever, depois tive que te escrever, e isso me custou muito tempo, porque queria usar as palavras certas. Depois da mensagem pronta, demorei mais uma hora ponderando se, de fato, enviaria ou não. Minha amiga já adormeceu faz três horas.

Escrevo por estar sem saída e vejo em você uma. Mas, não se preocupe, minhas expectativas são baixas. Trabalho na maior empresa da cidade. Como jornalista, você sabe de quem eu estou falando.

Meu chefe, como jornalista você sabe de quem estou falando, está acabando comigo. Não consigo nem escrever o nome dele.

Ele não é alguém que cruzou comigo na rua, que eu nunca mais vou ver, que eu possa delatar de imediato, eu dependo dele. É o meu chefe! E chefe de muitas outras funcionárias, também.

É o chefe de todos.

Fico pensando nas consequências de denunciá-lo. Eu não posso fazer isso, talvez você possa, por mim, por nós. Ele não é o seu chefe, é o meu.

Ponte SecaWhere stories live. Discover now