Capítulo I

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Jardinagem.

É tudo o que eu preciso para me acalmar depois de uma manhã insuportavelmente chata, costurando e aturando as chatices das minhas clientes.

Isso, para não mencionar a droga do noivado, é claro!

Dezoito anos e já tenho tantos problemas para resolver...

Já vesti a minha calça bege e minhas botas de borracha — uniforme clássico para as longas tardes remexendo na terra. Já coloquei meu chapéu também, para que o sol não provoque queimaduras na minha pele, já que perco a noção do tempo quando estou aqui.

Ao enfiar a pá na terra úmida, sinto um pequeno alívio, mas ainda não é o suficiente, por isso, termino de cavar o buraco com as próprias mãos e, ao enxugar o suor do rosto, acabo me sujando um pouco. Apenas a primeira mancha que logo se juntará a todas as outras até eu acabar meu serviço.

— Você vai ficar linda no meio das hortênsias — digo para a muda de begônia que seguro nas mãos.

Ouço a minha mãe gritar de dentro de casa. Sei o que ela vai pedir e finjo que não ouço. Sei que ela vai insistir. Sei também que ela vai se enfurecer e dizer que nunca mais poderei mexer no jardim. Não existem grandes novidades na minha vida.

— Helena! — grita a minha mãe. — Estou te chamando há horas.

Reviro os olhos com seu exagero e vejo a figura baixinha e gordinha vindo na minha direção, com as mãos na cintura e com a cara fechada. Olhando assim, pode-se pensar que ela é uma pessoa brava, mas tudo não passa de pose.

— Não te ouvi, mãe — minto.

— Como não? Eu estou berrando. — Ela para um pouco e fica me observando aparar algumas folhas. Isso é um péssimo sinal, porque eu sei o que virá em seguida. — Vá tomar um banho. Estou indo na casa da Julieta.

Esse é sempre um momento ruim do meu dia, porque eu detesto discutir com a minha mãe, mas, às vezes, tenho a impressão de que seu passatempo preferido é comprar briga comigo.

Desde que meus pais acertaram em definitivo sobre o meu casamento com o Jonas, filho da Julieta, que a nossa relação piorou drasticamente. Eu contribuí muito para que nossas desavenças aumentassem na última semana, admito, porque, mesmo sabendo que a lei do nosso reino nos obriga casar contra a nossa vontade, meu lado contestador — que ocupa boa parte de mim — não me permite aceitar isso de boca fechada.

Uma espécie de gripe foi responsável por dizimar três quartos da população mundial. Minha avó sempre me contava que sua avó lhe contou que aquela não era como as gripes que conhecemos. Aquela era mais forte e extremamente mortal e, além do óbito, o medo também se espalhou pelo planeta. Levou quase uma década para que os cientistas descobrissem a cura e, quando isso aconteceu, cada representante precisou pensar em uma maneira de repovoar seu país.

Para a minha total falta de sorte, o rei Plínio I, primeiro rei de Iseia, decidiu que seria uma grande ideia obrigar todos os jovens a se casarem até os dezenove anos e terem, no mínimo, dois filhos até os vinte e cinco.

Não existem leis muitos duras por aqui, mas esta é levada muito a sério, mesmo. Há uns vinte anos, houve uma moça aqui no meu vilarejo que se rebelou contra o sistema e decidiu assumir seu relacionamento com outra mulher, o que, para um governo que só pensa em filhos, foi uma afronta sem tamanho. Ambas foram condenadas à morte e serviram de exemplo. 

E é por causa deste velho imbecil e das suas ideias ridículas que eu estou descontando toda a minha frustração na minha pobre mãe.

— Eu não vou na casa da Julieta. Eu estou ocupada.

A Corte - Livro 1 - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora