Capítulo I.

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Então, lá estava eu, me afogando no abismo infinito da consciência. Sentia-me interagindo com  formas familiares, assim como luzes, sons, mas que, de imediato, eu não sabia tratarem-se disso. Conceitos se formavam explodindo em minha mente logo após seu exemplo. As formas tornavam-se letras, luzes viravam cores, sons modulavam-se em vozes. Tudo me atingia como agulhas se cravando em meu cérebro. Vi rostos e apenas depois soube que eram rostos. Vi árvores e apenas depois soube que eram árvores. Mergulhei em emoções incompreensíveis, todas de uma vez. Amor e ódio. Raiva e calma. Medo e coragem. Contudo, somente depois de senti-las, entendi o que eram. Entendi que eu estava vivo. Estava pensando, lembrando, porém, não de verdade. Tinha essa consciência. Meu próprio cérebro se esforçava ao máximo para dar-me o mínimo necessário; era tudo que ele conseguia. Algo havia me sobrecarregado, consegui sentir, no entanto não entendia. Ia além do simplista.

Mais memórias. Funções básicas do corpo. Respirar, piscar, ficar em pé, pegar, soltar, focar. Vinha naturalmente e eu realizava, mas algo ainda parecia errado. Diferente do que eu lembrava. Decidi abandonar o vórtice de informações para ver por mim mesmo. Já sabia como abrir os olhos, portanto o fiz. Diante de mim, nada semelhante ao esperado. Trevas infinitas, por todo lado. Não. Tinha mais alguma coisa. Luz. Fachos minúsculos pontilhando, estáticos por entre as sombras. Manchas multicoloridas ao longe. Enfeitando o que se revelava um quadro de mil possibilidades. No deslumbre diante da epítome da beleza, desejei me aproximar. Impossível. Não havia chão ― nem teto. Eu estava flutuando. Então senti frio, um tormento álgido que serpenteava por meu corpo que prontamente reagiu. Uma faísca, dentro de mim, livrou-me do suplício.

Então minha mente voltou a pensar.

Como eu tinha chegado ali? Onde era ali? Quem era eu?

Foram perguntas sem resposta, porque logo uma nova luz brilhou sobre minha cabeça. Eu olhei em sua direção e senti meus olhos queimarem, mas não deixei de admirar o brilho misterioso por uma fresta em minha visão. Nos encaramos por um longo tempo até que tomei coragem pra ir em direção a ela. Tentei ir para a luz. E ela me puxou rapidamente para junto de si. Uma emoção das recém apresentadas. Medo. Porém, outra também. Alegria por estar acontecendo alguma coisa. 

Eu lembro de sentir um leve impacto, um barulho metálico ensurdecedor e então de cair. O chão se aproximava rápido, mas eu parei pouco antes de alcançá-lo e pousei tranquilamente sobre ele. Era frio e metálico. A sala inteira era. Tal qual um vazio como o de antes, exceto por objetos desconhecidos aglomerados num canto. Fui até elas. Andar era estranho. De certo, natural, contudo pouco familiar. Confesso que levei um tempinho para estabilizar, mas isso não é importante. Fui até a pilha de quinquilharias e vi um monte de coisas que não entendi de cara. Minha mente as reconheceu, devagar.. Haviam pedras, peças mecânicas, potes com líquidos vivos dentro e legos. Me fez pensar sobre o tipo de pessoa que seria dona daquilo.

Um som de estática ecoou pelo lugar e em seguida uma voz aguda. A voz começou a emitir grunhidos e sons incompreensíveis. Pela lógica estava tentando se comunicar comigo, talvez sanar algumas dúvidas, mas eu só ficava mais confuso. Por sorte ela soltou uma palavra que entendi.

"Melancia".

Ainda mais confuso, tentei olhar em volta.

― Melancia? ― parecia uma pergunta, então assenti. ― Melancia? ― a voz repetiu mais animada. ― Você conhece melancia?

Assenti de novo.

― Certo, certo... ― ela disse e depois você voltou a exalar sons guturais, porém não demorou a voltar a falar minha língua: ― Quem... é... você?

Aquele Que Veio de Fora!Onde as histórias ganham vida. Descobre agora