Mediocrís

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Mediocrís era o espelho do mundo humano. Um mundo semelhante, porém igualmente único. Havia muitas lendas sobre ele na dimensão humana, mas nenhuma chega próximo ao que de fato ele era. Havia um rio de águas azul-turquesa, um lago de águas tão cristalinas que era possível ver o fundo e toda a beleza que nele habitava. As florestas verde-oliva brilhavam quando a luz do sol banhava suas folhas. A chuva nesse lugar era um espetáculo à parte, assim como a neve no inverno: as gotas de chuva desciam dançando sua própria melodia, criando concertos em conjunto e cintilando como se pudessem reluzir a luz que lhe atravessa. As colinas pareciam ter sido esculpidas por artesãos com mãos habilidosas, de tão perfeitos que eram seus formatos. Os bosques! Sim, os bosques dessa terra eram os mais belos jamais vistos por um humano. Os arbustos enfeitados por flores criavam caminhos, convidando os visitantes e moradores para brincar entre eles.

E era nesse mundo cheio de beleza que as fadas viviam, divididas por castas, do nascimento à grande passagem. Para encontrar o lugar a que pertenciam, cada fada passava por um ritual quando chegava à maioridade. Elas deviam se apresentar ao templo do espírito guardião, onde as sacerdotisas as preparavam para o grande dia da revelação. Elas eram levadas para o santuário onde havia uma fonte de águas límpidas — tão límpidas que, ao tocá-las, era impossível vê-las. Mas não se deve aproximar-se da fonte distraidamente, uma vez que ela era o símbolo da pureza desse mundo e não podia ser maculada. Em volta do salão, um segundo andar rodeava todo o teto de vitral que era sustentado por grandes pilares redondos enfeitados com arranjos de flores em toda sua extensão. O vitral que compunha o teto do santuário tinha como tema as constelações vistas de Mediocrís — o Universo desse mundo era o mesmo de todas as outras dimensões, porém as estrelas ali brilhavam ainda mais.

Embaixo do segundo andar, que era usado pelo coral, havia grandes arcos que separavam em halls as entradas laterais do templo os arcos guardavam as portas de madeira, que compunha os arredores até a grande escadaria no fundo do templo que levava ao mezanino. A luz reluzia diretamente sobre a fonte de águas, que era o ponto central do salão. Ao todo, o templo tinha oito portas: uma maior, dupla, ficava no meio e era a entrada principal, enquanto as outras seis, mais simples, ficavam distribuídas igualmente pelos lados do lugar e a dos fundos dava para o jardim. As seis portas laterais levavam às salas das sacerdotisas do salão. O templo era amplo e irradiava a cor das paredes — quem entrava nele via um tom de rosa-salmão bem claro e ouvia o som das águas que enchia o ar. Era nesse cenário que a passagem das fases de uma fada acontecia.

Cada habitante desta terra tinha um desejo no coração, algo que nascia com eles, que ardia em seu peito diariamente. No dia de sua passagem, eles ansiavam pelas palavras que fariam seus desejos serem realizados. As orações no templo eram para que as fadas se preparassem para ouvir seus destinos e para alinhar seus desejos ao seu propósito, quando seu talento seria revelado. As preces eram feitas individualmente — e cada um era livre para escolher em qual lugar do templo as fariam e, uma vez concluídas, cada fada se purificava na fonte do templo; ao levantarem-se das águas, seu chamado era anunciado pelo espírito guardião. Ninguém o via, mas sabiam que ele estava lá falando aos seus corações.

Apesar de parecer tudo muito engessado para nós, meros humanos, a verdade era que as fadas não se importavam de desempenhar o papel ao qual foram predestinadas. Nunca houve uma fada sequer que não tenha saído das águas radiante por ter alinhado seu desejo com o coração do espírito guardião. Ninguém nunca desempenhou seu papel forçadamente — pelo contrário, era assim que encontravam a verdadeira felicidade. Essas são as palavras de um antigo provérbio mediocriano: "só se encontra a verdadeira felicidade se houver propósito".

As fadas se dividiam em castas, como guerreiras, especialistas, melodiosas ou artífices, e o conselho dos vinte e quatro sábios. As dimensões ainda contavam com os quatro seres regulamentadores. A sucessão do trono era feita de século em século; as fadas, a partir de sua maioridade, não mudavam até o dia de sua passagem final, permanecendo eternamente belas e jovens, mas seu poder diminuía ao longo do tempo até desaparecer. E apenas àqueles escolhidos pelo espírito guardião era dado o dom da língua antiga e o dom para entendê-la. Diziam que os abençoados com esses dons poderiam recitar os mais difíceis encantos existentes e criar novos do mesmo modo.

Caminho das Fadas - Livro I [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now