Capítulo 2

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Jake

Sinto a escuridão me acolher de braços abertos, afinal ela era uma velha amiga minha. Me esforço para me lembrar do que aconteceu, mas não consigo, minha mente está muito nublada. Depois de um tempo consigo ouvir vozes, não consigo ouvir o que elas estão dizendo, o que me deixa mais curiosos em tentar descobrir. Faço força para abrir minhas pálpebras cansadas, e quando as abro, vejo que estou em um quarto extremamente confortável, logo me assusto e todos os eventos me atingem como um choque que me trouxe de volta a vida. Summerton. As pessoas. Os pensamentos. Os príncipes. A humilhação e por último os olhares, eram as piores coisas, me olhavam como algo novo e bizarro. Um apelido que estava bastante familiarizado, aberração. Sinto dias mãos quentes segurarem meu ombro e recuo rapidamente, com medo de me machucarem. Mas quando me viro para ver quem era me assusto. Era o príncipe Maven Calore. Me encarava com seus olhos azuis gentis e confusos, querendo descobrir o que eu sou.
—Por favor não me machuquem! —falei apavorado, fazendo o príncipe recuar rapidamente, olhei para cima e agora que percebi que haviam mais pessoas no quarto. O rei Tiberias VI e o príncipe Tiberias VII, uma menina que não reconheci e a mulher com os olhos azuis mais frios que eu já em toda minha vida.
—Não vamos te machucar, pode me chamar de Cal, essa é Mareena Titanos e esse ao seu lado é Maven, ou Mavey para os mais chegados. —o príncipe de olhos dourados me falou educadamente tentando me acalmar, mas não recuo. Esse “Não vamos te machucar” não era uma boa coisa, já me falaram isso uma vez e me machucaram de jeitos terríveis.
—E-Eu não posso ficar aqui tenho que ir embora, meu pai vai... —paro a frase deixando todos eles curiosos, o pior era isso, se meu pai descobrisse esse escândalo, ele não me mataria, mas me daria a surra do século.
—Seu pai? O que você é garoto? —a rainha cospe com todo o desprezo do mundo, seus olhos azuis me analisando em cada detalhe, eu estremeci, aquele olhar parecia estar perfurando minha alma. Então senti uma forte dor de cabeça, mas resolvi ignorar, não era a minha pior dor.
—Não posso dizer o que eu sou, não sou ninguém importando, só uma aberração. —eu deixo uma lágrima escorrer de minha bochecha, então sinto alguém sentar do meu lado, me viro para ver Mareena ao meu lado, e os outros irmão do outro.
—Não se sinta uma aberração, sei que você não é. —ela falou de um jeito gentil, dei um pequeno sorriso, mas fechei a cada assim que a náusea voltou, era um tipo diferente, como se tivesse alguém invadindo minha mente, procurando cada pedaço do meu ser. Tentando descobrir o que eu sou. Mas eu não sabia se deveria confiar neles, confiar de mais me levou a muitos castigos. Porém uma força de vontade, uma vontade de querer sair daquela minha vida e que agora finalmente, tudo estava do meu lado, eu não queria jogar fora.
—Meu nome é Jakelyn Jonas Torres, sou filho de Laura Telepactus e de Jim Torres, sou um híbrido, meio prateado meio vermelho, um erro, a razão da morte da minha mãe, uma aberração. —expliquei com os olhos vidrados no chão, sem coragem nenhum de levantar a cabeça e encarar eles nos olhos.
—Então você é herdeiro da Casa Telepactus? —o rei mais perguntou do que afirmou, levantei a cabeça bem assenti, então tive aquele sentimento de novo, de alguém estar me revirando, me observando, analisando cada parte de mim, me virei para encontrar Rainha Elara, seus olhos azuis gelados me encarando, nunca tinha experimentado isso antes, é horrível.
—Mas eu achei que a casa Telepactus havia sido perdida? Destruída em uma guerra. —Cal se confundiu completamente, Mareena parecia não estar entendendo nada, posso sentir toda as sua confusão com o assunto e até alguns conflitos consigo mesma.
—Minha mãe conseguiu escapar e fugiu para as Palafitas, conheceu meu pai e eu nasci, ela não resistiu e morreu. —resumi minha história em poucas palavras, e todos me encaravam. Eu detestava isso, detestava como podia sentir seus pensamentos sobre mim, sobre o que fazer comigo, se deveriam me mandar embora, me matar ou pensar em algo para se beneficiarem com isso, era como se eu estivesse prestes a me tornar um peão no jogo mortal deles, noto que Mareena tem o mesmo sentimento que eu.
—Eu já sei o que podemos fazer com ele. —Elara anunciou, sua voz mais feia do que as tempestades de neve mais densas, senti uma onda de alívio me atingir quando deixei de ser o centro das atenções.
—Vamos anunciar para todos sobre termos encontrado o herdeiro de uma casa perdida, um mestiço. —olhou diretamente pra mim, quando cuspiu essa palavra com nojo. —Então anunciamos que ele está a procura de uma companheira, alguém para o ajudar a reconstruir seu império.
—Mas isso não seria injusto com ele? Mal chegou se já começamos na decidir tudo por ele? E se Jake quiser reerguer seu império sozinho, deixe essa decisão com ele. —Maven me defendeu, fiquei surpreso mas ele estava certo, não gostei da sensação de pessoas estarem tomando as decisões por mim. Será que é assim que Cal se sente quando está prestes a assumir o trono? Mas infelizmente não tive escolha, não sabia nada sobre construir impérios ou como ser rei, isso o deixava sem escolha.
—Tenho certeza que ele não se incomodará como essa decisão, já que não tem ideia de como é governar um reino, muito menos um de grande tamanho como os Telepactus. —era como se ela tivesse lido os meus pensamentos, algo que eu suspeitei que estava fazendo a muito tempo, só pelo jeito que me encarava.
—Não é uma má ideia. —sussurrei e abracei meus joelhos, mas só agora que reparei, meus braços estavam completamente livre de todas as cicatrizes que adquiri, mas eles nunca vão conseguir apagar as internas. Todos permaneceram em silêncio, afinal não podiam duvidar da rainha, sabiam que ela estava certa sobre mim.
—Assim será feito. Eu e o rei precisamos conversar com ele. —ela declarou e todos começar a sair da sala, Mareena colocou a mão em meu ombro, encolhi um pouco ao seu toque.
“Tudo vai dar certo.” eram o que seu olhos castanhos queriam dizer, mas até mesmo ela estava incerta, incerta sobre várias coisas que seria uma violação de privacidade se eu tentasse ler a mente dela, é horrível quando as pessoas cruzam seu limite.
—Eu sei que você estava tentando entrar na minha mente, eu posso sentir isso. —eu conclui com firmeza, Tiberias olhou para a rainha confuso mas não duvidando de que ela era capaz de fazer isso. Isso e muito mais. Mesmo depois de minha declaração, ela manteve sua postura ereta, seu olhos brilharam.
—Estava tentando descobrir de você é um mentiroso ou não, agradeça por não estarmos tendo esse diálogo em uma masmorra. Maven quis isso. —ela me ameaçou, conseguindo manter o tom calmo em sua voz, sua declaração né deixou chocado. Por que o príncipe Maven havia me defendido? Nem conhecia ele direito.
—Garoto, você será importante para reerguer a nossa maior aliada, a Casa Telepactus, mas se você der um passo errado, se você revelar que é vermelho e prateado, as coisas não vão dar certo, e o cair que você vai formar não vai terminar de um jeito bom, entendido? —agora foi a vez do rei me alertar, foi direto ao assunto comigo, engoliu o seco mas assenti. Sem saber no que ia me meter, mas se me tirasse da vida que eu tinha, estava ótimo.
—Então é isso que vai acontecer, vou organizar seus horários e amanhã já estarão prontos. —Elara declarou, então era agora que eles iriam começar a me controlar, a me usar como um peão para eles. Mas eu não podia deixar isso de lado, mesmo que signifique ser peão de alguém, ser o saco de pancadas de alguém é pior.
—Vou fazer uma declaração sobre você, amanhã as âncoras virão para saber mais e farei um baile, declarando que você está procurando uma pretendente, para erguer seu reino novamente. —Tibérias declarou com uma certa felicidade, posso sentir o que ele quer, poder. E parece que sou uma das suas opções para isso. A única coisa que eu podia fazer era concordar, eu não sabia nada sobre o mundo deles, quem dirá sobre ser rei. Sem dizer mais nenhuma palavra, eles saíram e deixaram e me deixaram sozinho, suspiro feliz, meus dedos se afundam no lençóis brancos e a cama extremamente macia, sorrio em satisfação. Bem melhor que a cama de palha que eu dormia. Coloquei a no travesseiro muito macio e fixo satisfeito, começo a encarar o teto, me fazendo pensar sobre minha decisão. Eu não só sabia, como sentia no tipo de jogo que eu estaria prestes a entrar. Com toda essa confusão da Guarda Escarlate, os prateados se encontram sem lugar, sem armas e quase sem recursos, como eu sei de tudo isso? Os boatos se iniciam em bares. Eles vão me usar como um peão nesse jogo de xadrez que eu nunca vou compreender, mas vou sentir. Uma onda de alívio e medo me atingem como um balde de água fria, alívio porque nunca mais terei que ver Jim, meu “pai” e medo pelo o que estava prestes a acontecer, algo bom e ruim. Logo o cansaço me atinge e eu fecho os olhos e recebo a escuridão como uma velha amiga.
Estava escuro. Não seria algo que eu reclamaria, mas estava muito escuro. Começo a andar no meio daquele vazio, não vejo ninguém, de repente surge uma cena incomum na minha frente. Rei Tiberias estava imóvel de joelhos, como se alguém estivesse o obrigando a fazer isso, surgem Cal e Mareena, ela está imóvel do mesmo jeito que Tiberias, mas Cal estava tirando a espada de ouro da bainha e a erguendo, é nesse momento que Rainha Elara aparece, os olhos brilhando com uma maldade nunca vista e ao seu lado... Maven! Eu tentei gritar, chegar mais perto para parar aquilo, mas algo também me segurava! Observei com horror quando Cal cortou a cabeça de seu pai fora, as lágrimas nunca deixando de escorrer de seus olhos. Então mãe e filho começaram a rir de um jeito inumano. Senti-me ser puxado para uma escuridão sem fim, estava sufocando, o ar dos meus pulmões estavam indo embora. Gritei de novo só para não ser ouvido. Como sempre fui silenciado.
Acordei e caí no chão, e tentei respirar. Tinha sido só um sonho, apenas um pesadelo. Toda vez que tenho um sonho desse jeito, eu flutuo e quando acordo caio. São sempre sonhos ruins, alguns até reais. Mas aquilo que vi? Era absurdamente mentira, não tinha como aquilo acontecer, às vezes minha mente é muito criativa quando se trata de sonhos. Me levantei meio tonto, sentei na cama e olhei pro lado, foi quando percebi um uniforme de gala simples dobrado perfeitamente e com um bilhete em cima.
Use esse traje no jantar de hoje a noite. Sem atrasos, Lucas te buscará na porta, junto com Lady Titanos.
Rainha Elara.
Li a letra irritantemente perfeita da rainha, mas obedeci. Coloquei o traje rapidamente, as cores eram violeta e vermelho, as cores da Casa Telepactus, recentemente, minha casa. Coloquei as botas incrivelmente limpas e bonitas, caminhei até o espelho e observei meu reflexo, meus olhos se arregalaram, quase não me reconheci, minha pele estava em um tom saudável em vez daquele pálido, eu ainda estava magro, agora que lembrei que estava com fome. Ouvi alguém bater na porta, me virei, caminhei até ela e abri, dei de cara com um soldado de cabelos brancos e olhos negros, Mareena estava ao seu lado, com um vestido que podia ser simples, mas muito desconfortável.
—Você deve ser Jakelyn Telepactus, me acompanhe até a sala de jantar. —ele pediu e eu assenti, fechando a porta logo atrás de mim, fiquei ao lado dela.
—Ele parece ser muito mais agradável do que os outros soldados e sentinelas. —murmurei em seu ouvido enquanto passava nos pelos sentinelas, seus olhos sem qualquer brilho atrás das máscaras pretas. Ela riu.
—Sim, Lucas é bem legal, se formos considerar todos os outros prateados desse lugar, principalmente a Rainha Elara. —sussurrou de volta sorrindo, dessa vez fui eu que ri.
—É ironia você ser uma prateada e detestar quase todos os prateados desse lugar. —conclui baixo, então seus olhos castanhos ficaram sombrios, foi aí que a bomba foi lançada, eu ouvi seus pensamentos, e eles ficavam se repetindo em minha mente.
“Eu não sou uma prateada, sou algo que nem eu sei, só queria saber.”  Então ela não era uma prateada, era uma vermelha, eu estava curioso, tentado a saber mais, porém a gente se conheceu hoje, perguntar a verdade não seria legal, e com certeza desconfortável. Sentir o rei e a rainha nos observando, como se fôssemos algo errado, era um sentimento que compartilhávamos.

Mare

—É ironia você ser uma prateada e detestar quase todos os prateados. —Jake concluiu sorrindo e eu estremeci, senti meu olhar ficar sombrio. Eu não sou uma prateada, queria falar, sou algo que nem eu sei, só queria saber, mas ao mesmo tempo que eu queria conversar com ele sobre o que eu sinto, já que estamos na mesma situação, acabei de ele conhecer hoje, e já confiar nele para contar uma coisa que poderia colocar minha cabeça em risco? Sem chance alguma.
Lucas parou em frente a sala de jantar, toda a família real e Evangeline, seus olhos negros brilhavam de ódio sobre mim, ainda aguardavam uma vingança. Eles estavam sentados na grande mesa repleta de comida. Tinha mais comida do que eu já comi em casa. Senti algo pesado me atingir, enquanto eu enchia a barrigão minha família passava fome, que tipo de pessoa eu sou?
Me sentei ao lado de Maven e Jakelyn se sentou ao meu lado, vi seus olhos violetas se arregalarem com a quantidade de comida. Ele deve ser como eu, nunca teve privilégios. Todos começaram a si servir, eu coloquei o mínimo de comida, ainda não esquecendo como minha família deve estar. Morrendo de fome, e uma parte era minha culpa, a mão de Gisa. Se não fosse por isso ela ainda poderia bordar a seda e dar comida a nossa família.
—Seu pai nunca te ensinou os bons modos, garoto? —Evangeline falou com total desprezo, Elara deu uma risada fria e sem vida sobre o que ela tinha dito. Queria reagir mas não podia fazer nada, minha cabeça também estava no jogo. Olhei para o lado, vi Jake com a boca cheia mastigando, ele corou profundamente e soltou o pedaço de frango em sua mão. Senti pena, ele ficou muito envergonhado.
—S-Sinto muito. —Jake pediu desculpas, olhando para as mãos, coberto de vergonha, vi os olhos de Maven e Cal se suavizarem com ele, entendiam que aquilo era novo pra ele, mas os olhos frios da rainha não mudaram.
—Parece que vou ter que colocar aulas com a Lady Blonos nos seus horários. —Elara desprezou por completo o garoto, ele largou a comida, e passou o resto do jantar olhando para as mãos, envergonhado. O assunto mudou e a tensão da sala foi acatada por Tiberias e Cal conversando sobre as guerras e outras coisas. O jantar terminou e Lucas Samson já nos esperava na porta, para levar-nos ao nossos aposentos.
—Não fique mal por causa do que Elara e Evangeline disseram, elas são pessoas horríveis. —consolei assim que começamos a subir as escadas, ouvi uma risada vindo de Lucas.
—Foi o que eu disse, Evangeline é uma vaca. —ele concluiu, um sorriso pequeno cruzou os nossos rostos.
—Obrigado, mas a humilhação eu vou aprender a lidar, acredite já passei por coisa pior. —a última frase ele falou baixo, não pude deixar de evitar a curiosidade. O que tinha por trás daquele garoto magro cujo os olhos violetas eu nunca vi iguais?

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