Sombra de inferno e noite carregada,
Em que o céu de um só astro não se aclara,
De nuvens, quanto o pode ser, toldada,
Véu tão grosso ao meu rosto não lançara,
Nem, ao contacto, fora tão pungente,
Como o fumo, que ali nos rodeara.
Fechados tinha os olhos totalmente:
Fiel o sábio sócio, me acudindo,
Deu-me em seu ombro arrimo diligente.
Qual cego, que ao seu guia vai seguindo
Por se não transviar, correr perigo,
Ou sofrer morte, de encontrão caindo,
Tal eu por aquele ar escuro sigo,
Atento ao Mestre meu, que repetia:
— "Cuidado! Não te afastes! Vem comigo!" —
Então vozes ouvi; me parecia,
Que paz, misericórdia suplicavam
Ao Cordeiro, que as culpas alivia.
Por Agnus Dei suaves começavam,
A letra era uma só como a toada,
Consonância entre si todas guardavam.
— "Por quem esta oração, que ouço, é cantada?" —
Perguntei. Disse o Mestre: — "É bom que o aprendas:
Assim da ira a culpa é mitigada".
— "Quem és para que a névoa nossa fendas
E assim fales, qual viva criatura,
Que inda o tempo calcula por calendas?" —
Disse uma voz do fundo na negrura.
E Virgílio falou: — "Responde e exora
Se por aqui se sobe para a altura". —
"Ó alma, que" — disse eu — "a graça implora
De ir a Quem te criou mais pura e bela,
Maravilha ouvirás, segue-me embora". —
— "Até onde for dado" — tornou-me ela —
"Irei, e, se te ver não deixa o fumo,
Nos tornará propínquos a loquela". —
"Nas mantilhas, que a morte acaba, ao sumo
Assento" — comecei — "ora me alteio,
Do inferno tendo vindo pelo rumo.
"Se Deus permite, de bondade cheio,
Que a dita eu goze de lhe ver a corte
Por este, hoje de todo estranho, meio,
"Revela-me quem foste antes da morte
E qual nos deva ser a melhor via:
Guiarás nossos passos desta sorte". —
— "Fui Lombardo e de Marco o nome havia;
O mundo exp'rimentei, feitos amando,
Pelos quais ninguém mais hoje porfia.
A subir bom caminho vais trilhando". —
Falou-me assim e acrescentou: — "E rogo