10° capítulo

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O SENHOR DAS TREVAS FOI tomando por um sentimento até então não existido nele. Caminhou até Ariada e retirou a sua venda. Ao mesmo tempo, Furiosus virou-se, após ter colocado a espada Divus, de Hesediel, em cima da mesa; vendo a cena, gritou para o Senhor das Trevas não fazer aquilo, porém, ele não lhe deu ouvidos. Preocupado com o que poderia acontecer, Furiosus escondeu os olhos, abaixando a cabeça, e colocou a espada entre as coxas, ao se curvar. Lucius, tomado pela raiva, correu em direção à mesa, pegou a espada Divus e a desferiu a esmo. Quando Furiosus percebeu já era tarde; o fio da espada arrancou-lhe as asas antes dele se levantar. Ainda tentou sacar a arma, mas como estava esfacelando, ela voou da sua mão e caiu perto de Lucius. Este não pensou duas vezes: ao ver Furiosus virar pó e o seu espírito surgir como saído da escuridão, rolou no chão, pegou a arma e atirou em várias direções. As balas sabiam que ali só havia um espírito para ser capturado. Todas, ao mesmo tempo, se abriram libertando os tentáculos escuros que, furiosamente, capturaram o espírito de Furiosus,  travando uma disputa inaudita por ele. Enfim, quando apenas uma bala restou, ele foi sugado para dentro dela. Tomando rumo incerto, ela se autoexplodiu. No céu uma mancha escura espalhou-se e contraiu rapidamente, desaparecendo.

Indiferente ao que estava acontecendo à sua volta, como se estivesse enfeitiçado, o Senhor das Trevas somente via Ariadna. Seus olhos, tomando a coloração vermelha, se dilatavam ao percorrer o corpo níveo da filha dos deuses. Irresistível ao apelo sexual, o Senhor das Trevas moveu as suas mãos ao encontro do rosto de Ariadna, e percebeu que elas alvejavam. Assustado com a aparente brancura, e acostumado com o negrume das trevas, ele notou que não era somente as mãos que alvejavam, mas todo o seu corpo. Pela primeira vez, não sabia o que fazer, e ainda que soubesse, já não era dono de si, seu corpo não mais obedecia ao comando da sua mente. Tomado por uma ira incontrolável, tentou alçar voo, não obstante, os seus pés estavam colados no chão, ele estava se transformando em uma estátua de sal. Lucius deu o golpe final empurrando-o para o buraco aberto no meio da sala. Contraindo-se, o buraco se fechou, espalhando pelo ambiente uma nuvem tênue acinzentada, que assentou logo em seguida.

Ariadna percebeu Lucius sentado na soleira da porta com olhar perdido no infinito. O cenário não era o dos melhores, a destruição era visível onde quer que se pousasse o olhar, o aroma que se chegava ao nariz era de carne apodrecendo, os urubus formava uma mancha escura no céu; do nada surgiam animais atraídos pela carniça. Desolado, Lucius se via agora em um mundo sem esperança. Ele e Ariadna estavam sozinhos, sem poder contar com a ajuda de ninguém. Cabisbaixo, ele se afundou em seus pensamentos, procurando solução e abrigo, porém, eles estavam vazios.

- Hesediel me disse que ficaríamos sozinhos, porém, não deveríamos nos desesperar. - Disse Ariadna ao se aproximar de Lucius. Sentada na soleira da porta, ela tentava compartilhar seus pensamentos.

- O que esperar do mundo como ele está, Ariadna? Só vejo destruição e dor.

- Não muito diferente do que sempre foi. Hesediel me disse para pegar a sua espada...

- Ariadna, - Lucius a interrompeu - não temos mais inimigos para combater.    

 - Não, mas se não mudarmos a forma de pensar o mundo, de como nos colocamos neste mundo, a Nova Geração estará fadada ao fracasso.

- E o que a espada de Hesediel tem a ver com isso? - Perguntou Lucius, demonstrando interesse.

 - Ele me disse que todas as respostas para as nossas dúvidas seriam achadas quando enfiássemos a sua espada Divus na casa do recém-nascido cujo sangue foi colhido para a minha feitura, ou seja, onde estamos.

 Lucius deu um pulo e adentrou a casa à procura da espada de Hesediel. Sabendo que foi o último a usá-la, ele a encontrou próxima da mesa. Ariadna veio logo em seguida e os dois acionaram o dispositivo Dio enfiando a espada no meio da sala.

Um clarão inaudito tomou conta da sala, revolveu todos os escombros, provocando um redemoinho, e parou quando restava apenas um objeto no seu epicentro. O objeto, um livro, foi se aproximando dos dois, de acordo com a diminuição da intensidade da luz, e, quando apagou, caiu nas mãos de Ariadna. Ela assoprou para tirar o pó que o cobria, porém, uma crosta negra a impedia de ler o título do livro. Ela, então, levantou a barra do vestido e o esfregou sobre a capa. As letras grafadas em ouro foram, aos poucos, surgindo. Surpreendida ela não acreditou no que estava escrito.

- A Bíblia Sagrada! - Disse levando a mão a boca para esconder o seu espanto.

- Mas que resposta haveremos de encontrar aí, Ariadna? Você acha que é aí que pode estar a solução para os nossos problemas?

Lucius mal terminou de falar e a Bíblia voou da mão de Ariadna, abrindo as suas folhas nervosamente, de um lado para o outro, ininterruptamente. Enfim, quando parou em uma das páginas, luzes lhe cobriram, dando mais clareza ao que estava escrito. Ariadna leu em voz alta:

- Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.

- Do que nos vale isso se nós temos só a nós? - Questionou Lucius, enfadonho.

- Se a Geração que acabou de findar tivesse praticado esse ensinamento, ela não teria sido exterminada; cabe a nós o ensinarmos à próxima para que ela não tenha esse mesmo fim.

- Mas de que vale esse ensinamento se o mal corre em nosso sangue?

- O bem também. Lucius, onde o amor viceja, o mal não vigora. Tanto o mal como o bem não é exterior ao homem, está dentro dele, e cabe a ele exteriorizar um ou outro.

Assim que Ariadna terminou de falar, a Bíblia fechou as suas folhas, e se depositou em suas mãos. Ao mesmo tempo, a porta da casa se abriu mostrando aos dois o caminho; ele estava iluminado, e os dois, também.

ApocalipseWhere stories live. Discover now