- Óscar?

- Não te faças de desentendida, Ilídia. - Um riso zombeteiro mesclado com repúdio veio do jovem generosamente aquecido com roupas caras. - Sei que tu és amiga do velho compulsivo por bebida.

Provavelmente este era um dos homens que tinha provocado os machucados no rosto do Óscar no dia que o levei para a casa de repouso.

- Seu amigo tem uma dívida generosa comigo. - Apercebi-me que ele estava a brincar com as pontas duplas de um canivete. - Quando o vires novamente diga que sinto saudades e que estou a espera do pagamento.

Em anos a conduzir nunca senti tanta impotência diante de alguém.

- Diga-lhe que sei quem tu és e que estarei de olho em ti nos próximos dias. Sei da ligação que existe entre vocês. Não deixarei nada acontecer a ti, Ilídia. Contudo, apenas serei um bom segurança caso o dinheiro que ele me deve esteja em minhas mãos no próximo final de semana, do contrário não posso proteger a ti. - Medo aflorou em meu íntimo quando a ponta afiada de sua faca roçou o tecido acolchoado do meu casaco verde. - Tenha uma boa continuação de noite, Ilídia Marques.

Respirar era como tragar pequenos cacos de vidro, impossível. As mãos sobre o volante permanceram inalteradas sem consegui levar-me a lugar algum.

- Hijo puta! - Talvez tivesse passado meia hora ou apenas dois segundos quando consegui libertar-me do casaco pesado. O corte não atrevessou o tecido, mas o local onde o canivete pousou doía como se tivesse sido magoado.

Levei mais de uma hora para chegar ao Conglomerado. Era sorte ter conseguido não ter sido multada ou ter causado um embaraço no trânsito no horário que o tráfego triplicava.

A visão do jovem ao falar do Óscar estava presa em minha retina. Não conseguia afastar sua promessa da minha mente em confusão.

Calquei o botão para o andar onde supostamente Gonçalo estaria a minha espera.

Três toques de notificações surgiram no visor do telemóvel embaçado.

"Liguei-te. As chamadas estavam a ir para tua caixa de mensagem. Talvez ficastes sem rede. Quando receberes a mensagem, responda-me."

"Lili, uma colega ofereceu-me boleia."

"Está tudo bem?"

O relógio do elevador alertou que estava num atraso de uma hora e vinte e dois minutos.

As portas duplas em vidro do elevador abriam e se fechavam constantemente. Pessoas falando do seu dia corrido cercavam-me com seus perfumes e uniformes escuros.

As pessoas e seus dilemas tornaram-se borrãos ao passo que lembrava do Óscar.

- Ela está dentro deste elevador há mais de meia hora. - Uma voz calma e gerida pela curiosidade alertava alguém da minha presença na cúpula.
As mãos que se fecharam em torno da minha cintura eram firmes e cuidadosas.

- Ílidia. - Respirei tranquilamente após o ocorrido, mesmo sabendo que estava a nadar em águas profundas demais. - Estás bem?

Seu cheiro envolveu-me trazendo um tipo de paz estranha que apenas sentia quando estava com ele. Estava a ultrapassar a barreira que criei para afastar-me dele.

- Obrigado, Pérez. - Romero disse para a mulher que tentava entender o que se passava naquele lugar. - Cuidarei dela.

Fui acomodada em seu escritório particular.

- Um chá de mirtilo. - Seu sotaque carregado anunciava o pedido para alguém no telefone.

Tentei controlar minhas mãos que ainda estavam a tremer. Passos ecoaram no piso em linóleo anunciando que meu pouco tempo a sós acabara.

- Queres que ligue para o senhor Carvalho?

Neguei com um ligeiro aceno de cabeça.

- Eu estou bem. - A mentira educada não conveceria o juiz dentro do Romero.

Alguém bateu na porta. Logo uma senhora estava a depositar um copo cheio de um líquido escuro que se tornara um dos meus preferidos nos últimos dias.

- Senhor Romero a reunião com o grupo Suazez começará em dez minutos. - A funcionária ruborizada comunicou com um pequeno sorriso no final da frase.

- Desmarque.

- Mas, senhor...

- Obrigado, Camila.

Ela não fez mais nenhuma argumentação. Depositou o bandeja sobre a mesa em madeira perto dos sofás onde estava sentada a observar as perguntas surgirem em seu olhar indagador.

- Não precisa...

- Fostes assaltada?

Seu olhos claros estavam sobre o corte no casaco e de imediato em meu rosto enevoado com as emoções dos segundos vividos com o estranho em meu carro.

- Não.

Era verdade.

- Magoaram-te, Ilídia? - Romero ditou a pergunta trincando o maxilar.

- Não. - Tomei um gole do chá quente tentando desviar-me da sua atenção.

- Não vou pressionar-te, mas se quiseres falar estou bem aqui. - Apontou para o lado oposto aos sofás onde sua mesa em vidro acompanhada por uma poltrona clássica esperava por si.

Espretei-lhe caminhar até a mejestosa parede em vidro, suspirei.

"Estou bem, Gonçalo. Logo mais falamos."

- Obrigado pelo chá, Romero. - Pus-me em pé assim que ele sentou em sua poltrona. - Preciso ir.

- Não estás em condição de conduzir, Ilídia. - Ele tinha razão. O tremor não tinha deixado meu corpo.

- Ficarei após tomar um ar.

- O que se passou? - Tornou a repetir com veemência.

- Nós não podemos ficar juntos.

Romero tornou a se aproximar curioso com o fato de dizer algo que ele não esperava. Nem eu mesma esperava tocar naquele assunto diante da situação que estava, contudo algo em Romero libertava uma Ilídia diferente que hibernava em mim há muito. Precisava cortar o elo enigmático que prendia-me a Romero agora. Sabia que a partir daquele momento esmagaria uma possível chance de um nós acontecer.

Aquela verdade dissiparia qualquer desejo que Romero poderia sentir por mim.

Acabaria agora.

Seria melhor para nós os dois.

- Sou soropositivo.

Sob Juramento [PT-PT]  Disponível Até 24/05 SEM REVISÃO Where stories live. Discover now