Capítulo 10

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Passamos algumas semanas perambulando pelos céus, por entre nuvens e trovoadas, até chegar ao ponto em que Lírida denominou de "mata fechada". Para falar a verdade, eu não possuía mais certeza da quantidade de tempo que se transcorrera. O infinito azul da abóboda celeste retira de nós a capacidade de mensurar o curso dos dias.

Horas se transformando em dias, dias se encaminhando a meses.

Assim que meus pés tocam o solo ao descermos próximos a uma clareira, escuto cada articulação que compõe meu corpo estalar. Analisando ao redor, reparo em enormes e imponentes sequoias circundando o espaço entre nosso grupo e o Bosque de Álamos, como se fossem vigilantes daquele lugar.

Reparo que Rurik encara as árvores como se estivesse diante de um fantasma. Ele permanece petrificado até o momento em que toco em seu braço para requerer sua atenção.

-Você está bem, Rurik? -Pergunto.

-Sim, apenas relembrando algumas memórias que havia esquecido. -Ele responde de forma taciturna e se direciona para as demais pessoas ao nosso redor. -Vamos montar acampamento, o sol já está se pondo e não é seguro entrar na floresta depois disso. Quero lembrá-los que, para manter o bem-estar de todos, nenhum passeio noturno está autorizado. -Rurik declara.

Observo o capitão se afastar enquanto todos, obedientemente, seguem suas ordens. Montamos cabanas, acendemos fogueiras e dividimos os poucos mantimentos que ainda nos restam.

Todavia, as fadas não se juntam a nós. Antes mesmo de Rurik proferir sua ordem, elas já haviam montado suas redes nas margens da clareira e se alimentado das frutas que as árvores dispunham.

Há alguns dias, durante nossa viagem, eu notara que o povo de minha mãe agia com indiferença em relação aos demais, como se fossem seres superiores e a presença das outras espécies fosse um insulto a elas. Aquela atitude somente confirma minhas suspeitas.

Talvez as fadas realmente tenham uma grande parcela de culpa na divisão desse mundo, assim como Morgana havia escrito.

Após montarmos nossa cabana, Cecília se retira para descansar enquanto eu permaneço ao redor da fogueira, analisando as labaredas. O início e o fim de cada chama me fazem pensar em tudo o que já vivi até agora e servem como lembrete de que nada é eterno.

-Posso? -Lírida pergunta e aponta para o lugar ao meu lado.

-Claro. -Respondo, dando-lhe espaço para sentar.

Minha tia se acomoda ao meu lado e direciona seu olhar ao fogo, assim como eu. Estranhamente, o silêncio entre nós não parece mais desconfortável. Com a passagens dos dias, sua presença passou a ser reconfortante para mim, um lembrete de que um dia possuí um lar.

-Posso lhe fazer uma pergunta? -Questiono depois de um tempo.

-À vontade. -Lírida responde.

-Por que você não foi escolhida como herdeira das fadas? Você é irmã da minha mãe, não deveria estar na lista de governantes ou algo assim? Seu vínculo de sangue com minha avó é maior do que o meu. -Inquiro.

No instante em que pronuncio a questão que estava sondando minha mente há algum tempo, o corpo de Lírida enrijece imediatamente. Ela volta seu rosto para longe do meu e escuto sua respiração ficar levemente desordenada.

-Não sou sua tia de verdade, Scarlett. -Lírida revela com angústia em sua voz. -Não posso assumir esse papel porque não tenho sangue da linhagem real como a sua mãe. -Ela diz e mira meu rosto.

Palácios De Cinzas - Livro 2 - Trilogia Mestiços Onde as histórias ganham vida. Descobre agora