Presente

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Entrei com o Finn na frente e ajeitei o gorro, olhando se estava certo através do vidro das portas na entrada. Vidros, paredes claras e gente de branco, acho que as únicas cores ali eram os enfeites de natal em pontos específicos como a recepção e a ala infantil.
Parei com ele perto da porta e esperamos papai trazer o saco. Saco cheio e fantasia folgada de papai Noel porquê alguém recusou a barriga de enchimento. Se alguma criança não acreditar: eu avisei.
- Por onde a gente começa esse ano? - perguntei e olhei o Finn.
- Crianças primeiro, maninha. Regra humanitária. - explicou enquanto levantava o dedo e indicava para a ala infantil, soltando a risada do papai Noel no final.
Ri dele e peguei dois presentes, entrando em seguida.
Sorri para eles e abracei, abaixando para conversar e dando os presentes.
O quarto tinha um árvore de natal pequena no canto esquerdo, perto da janela. Não tinham luzinhas, para evitar um possível curto seguido de incêndio. Do jeito que sou desastrada, é melhor mesmo manter longe.
Levantei e abracei a mamãe, tirando o gorro de Natal da cabeça e recebendo um beijo na testa.
Fiz careta e a olhei, rindo e soltando ela.
- Já volto pra cantar, vou pegar água - avisei e saí do quarto, procurando bebedouro e mexendo com o anel no caminho.
Às vezes faço sem perceber, geralmente quando fico nervosa. Não estou agora, mas um pouco estranha por andar sozinha nos corredores, imagina se alguma enfermeira acha ruim.
Dobrei em outro corredor e parei um pouco, lendo as placas. Talvez eu esteja perdida... Não que seja difícil, corredores iguais para todo lado, cara.
Girei nos calcanhares e voltei pelo mesmo caminho, parando em frente a porta, lendo a placa.
Sala de recriação
Recriação. Então ainda estava no lado certo do hospital.
- A enfermeira mandou você me achar?
Xinguei baixo com o susto e olhei em direção a voz, me acalmando ao ver a garota sentada no fundo.
Vai assustar outra assim no inferno.
- Não. E acho que colocaram todos os bebedouros no outro andar pelo visto. - respondi e me aproximei, descendo o olhar pelos curativos nos pulsos. - No Natal?
- É uma época sentimental demais.
Se eu rir, sou menos humana?
A olhei e sentei na outra cadeira, apoiando os cotovelos na mesa e o rosto na minha mão, olhando a sala. Também era decorada com algumas bolas de natal e sinos, uma árvore de mesa no centro e meias em uma chaminé improvisada.
Pontos pela criatividade, enfermeiras.
O resto da sala seguia o padrão, janelas no fundo, cortinas na cor verde água, paredes brancas com algumas prateleiras no tom amadeirado para organizar algumas coisas. Acho que o que fugia um pouco dessa linha era o lado direito com algumas tintas e giz de cera, porquê a parede tinha rabiscos e respingos de tinta.
Voltei a olha-la e ela seguiu com o silêncio, recomeçou o jogo de cartas, dividindo algumas para mim e gesticulando para que eu jogasse junto.
Olhei as horas e aceitei. Finn pode cantar com a mamãe.
Jogamos umas duas partidas em completo silêncio, o único barulho era o que as cartas faziam ao se tocarem na mesa ou nas nossas mãos.
- Você está bem? - quebrei o silêncio e logo me arrependi. Quem iria tentar se machucar se estivesse bem? Muito inteligente, Billie.
- Bom, estou chapada de remédio e sermões... Não sei bem como me sinto. - confessou e soltou um sorriso de canto, fazendo uma covinha surgir em um dos lados.
Eu sei que não quer dizer nada, mas cara... ela é linda e parece ser alguém legal, quem a faria mal ao ponto dela não querer mais viver?
Acho que perguntar isso seria demais evasivo, então vamos apenas calar a boca querida curiosidade.
- Suas sobrancelhas ficam dançando enquanto você pensa.
A olhei e toquei minhas sobrancelhas, assentindo. Às vezes esqueço.
- Eu acho fofo - ela prosseguiu e tentou imitar, fazendo eu rir baixo.
As caretas faziam parecer que tinha passado por milhares de plásticas. O que era impossível se você olhar bem para ela, é natural, bonito. Os traços finos, manchinhas de sol, marcas de expressão perto da boca... Não era grande, assim como ela toda, mas era bem carnuda e um pouco ferida, creio ser pelo clima.
Subi mais o olhar, parando nos seus olhos. Era um tom de verde diferente, beirando o castanho e o do direito tinha um pouco de azul. Waardenburg*.
Ok, essa garota foi pintada cada detalhe.
- Não quero parecer... Sabe, fofoqueira. Mas porquê?
Ela e ajeitou na cadeira e guardou as cartas na caixinha, voltando ao silêncio de antes.
Certo, momento constrangedor.
- Talvez não tenha um motivo. - dessa vez ela quebrou o silêncio, voltando a me olhar. - Sou só uma adolescente carente querendo atenção.
Franzi a testa e me mexi na cadeira, desconfortável tanto com as palavras quanto pelo modo que ela cuspiu elas. Ela deve ter escutado tanto isso, talvez da própria família.
- Você não é. - me curvei na mesa, chegando mais perto e a olhando nos olhos. - Você é maravilhosa, garota! Porra... Você é linda e parece legal também. Não sei inteligente, mas com certeza é. Não desiste.
Ela não respondeu, mas também não se afastou, já era um ponto positivo. Pelo olhar dela eu conseguia ver que ela tinha me escutado, mesmo que no final não pese em nada o que penso ou deixo de pensar, ela ouviu e aceitou minhas palavras.
Me afastei e olhei as horas de novo, levantando e ajeitando meu cabelo.
- Preciso ir... ainda vai tentar?
- Por quê se importa? Promessa de Natal?
Pensei e assenti.
- Não me faça decepcionar o papai Noel tão perto das festas. - pedi e peguei o giz de cera e papel, anotando meu nome e número. - Se pensar nisso de novo, liga pra mim. A gente conversa até passar.
Entreguei pra ela e joguei o giz no pote de volta.
Ela olhou o papel e negou.
- Por quê está fazendo isso? Quem faz isso?!
A olhei e me vi fazendo aquela mesma pergunta, um outro tempo e com outra pessoa. O tipo de pessoa que ligava sem avisar só para verificar se eu estava bem naquele dia.
- Algumas pessoas. - respondi e sorri, indo em direção à porta, parando quando ela falou:
- Alex. Me chamo Alex... Você anotou o seu, é justo.
Concordei e olhei ela.
- Prazer, Alex.
Saí e segui de volta até a sala das crianças, parando atrás do Finn, jogando o gorro no saco vazio e cruzando os braços.
Alex.
Ela será transferida para uma clínica de reabilitação com certeza. Nem todo lugar é bom, dependendo de muitas situações... pode piorar tudo. Só espero que ela ligue de lá, que de alguma forma eu a ajude à se manter sóbria até que acabe.
- Anda, ajudante de papai Noel.
Olhei quem chamava e empurrei o Finn, pulando nas costas dele e saindo do hospital.
A maior parte do caminho de volta para casa eu fiquei calada, pensando se eu teria ajudado a Alex ou piorado. A verdade é que não sei nada sobre ela, posso ter enviado ela para à fogueira. Espero que não.
Foi tentando traçar tudo que disse, para descobrir se falei alguma merda, que lembrei do rosto dela. Bochechas, sobrancelhas, boca, olhos... Tinha um pouquinho do meu azul no seu verde.

...
*Síndrome de Waardenburg: Defeito genético, hereditário na melanina/coloração. Tanto cores de olhos diferentes quanto mechas de cabelo branco e o albinismos são exemplos desse erro. (Pode vir acompanhada de surdez)




Um pouco curto porquê é o primeiro e tinha alguns pedindo muito...
Espero que tenham gostado e ficado tão "aaaawn" quanto fiquei escrevendo.
Qualquer erro, pode me avisar.

BlueWhere stories live. Discover now