Garota de olhar assustado

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A garota de quinze anos se levantou, arrumou o vestido com as mãos e respirou fundo. Entrou na sala de Azevedo com o olhar tão assustado que o fez ajeitar-se na cadeira novamente, o cabelo escuro encaracolado parecia com o de sua filha.

— Júlia, sente-se por favor.

A menina tomou seu lugar na frente do investigador e engoliu em seco.

— Onde você estava na hora em que o crime aconteceu?

— No meu quarto, retocando a maquiagem. Ouvi os gritos da discussão entre meu pai e meu tio, então preferi ficar no andar de cima.

— Houve gritos, então?

— Sim, eles sempre brigam — percebendo o erro, baixou o olhar ao corrigir-se — brigavam.

— Soube que seu irmão te deu uma caixa vazia de presente — Azevedo falou, tentando abrandar a tensão na sala.

— Sim, Daniel é um bobo.

O investigador sorriu um pouco para ela. Não adiantava o que dissesse ou o quanto tentasse consolar a garota a sua frente, não melhoraria a situação da menina que perdeu o pai na noite de natal, que presente o destino lhe deu!

— O que conseguiu ouvir da discussão?

— Pouca coisa. Minha mãe começou a chorar e subiu as escadas, foi para o banheiro do andar de cima porque Daniel estava no do andar de baixo. Meu pai falava sobre o tio Arthur sempre tentar ser melhor do que ele, e meu tio se defendia.

— Por que acha que eles tiveram essa discussão?

— Por causa do colar que o tio Arthur deu para a minha mãe, é claro. Meu pai deu um liquidificador. Tio Arthur sempre deu bons presentes porque ele é contador, e também gosta muito da minha mãe.

— Gosta muito? Muito o quanto?

Júlia encolheu os ombros e comentou:

— Acho que namoraram antes de mamãe se casar, vi nas fotos em que ela era moça.

— E o que aconteceu para não ficarem juntos?

— Meu tio terminou o namoro depois de passar numa universidade pública, ele foi estudar em outra cidade. Minha mãe ainda tinha contato com a família de tio Arthur, então ela e meu pai se aproximaram. Quando ficaram noivos, meu tio cortou relações com o irmão, não tem fotos dele no álbum de casamento.

— Será que a discussão aconteceu por causa da sua mãe?

Júlia encolheu os ombros novamente.

— Tio Arthur sempre deu bons presentes para minha mãe. É estranho saber que ele ainda tem o nome dela tatuado, mas ele fez quando era muito jovem, não deve significar mais nada.

— Obrigado pela colaboração. Só tem mais uma pergunta que gostaria de fazer a você... Por acaso sabe das agressões que sua mãe sofria?

Os olhos arregalados já eram resposta suficiente para Azevedo.

— Não, e-eu não... eu nunca soube.

— E quanto a você? Seu pai te machucou alguma vez?

— Não.

— Certo, terminamos aqui. Peça para seu irmão entrar.

Marcas do Presente (conto)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora