Sustento

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Ela tinha não mais que nove anos quando precisou trabalhar para sustentar a casa sozinha. O pai? Ninguém sabe dele, sumiu antes que ela nascesse. A mãe se afundou em álcool e, mais tarde, em drogas, e agora já não conseguia trabalhar por causa do vício.

A menina começou lavando as roupas na vizinhança, e os trocados só eram suficientes para um saco de pão para três dias e um novo litro de amaciante. Às vezes, quando procurava as moedas do pão, algumas já haviam sumido e tudo que ela encontrava era a mãe jogada no chão de algum cômodo da casa.

Começou, então, a se oferecer para varrer as casas. De pouco em pouco, tornou-se conhecida pelos arredores: boa moça que era, eficiente e esforçada. Não tardou a aparecer uma boa proposta de uma casa que ela não conhecia: ofereceram o suficiente para duas semanas de trigo, azeite e feijão por faxina, bastava ir de dois em dois dias na parte da tarde. Aí estava o problema.

Veja bem, a menina ainda tinha escola. Se parasse de estudar aos nove, como poderia ter um futuro melhor? Mas como recusar o bom pagamento de que tanto precisavam ela e sua mãe?

Conversou com a professorinha da escola, disse-lhe que faltaria muitas aulas e perguntou se poderia pegar as folhinhas nos dias em que comparecesse. De manhã, a pequenina lavava roupas. De tarde, fazia faxina ou ia à escola. E de noite, estudava o que não pode ver em aula.

E ela andava.

Andar tanto tempo estava lhe desgastando as solas do único par de sapatos que tinha agora (o outro, dera à mãe), e ela não tinha o dinheiro para comprar um novo. Andava a recolher as cestas de roupa suja. Andava uma hora e meia para chegar à escola ou duas horas até a casa de bom pagamento. Andava entregando as cestas com as roupas já lavadas. Só sentava-se para estudar, pouco antes de poder deitar para tirar seu tão breve descanso.

Era preciso mais dinheiro, então a criança resolveu trabalhar mais. Vendia balinhas no intervalo da escola e, nos dias em que não ia, trabalhava à noite, varrendo o chão de um barzinho do outro bairro. Voltava para casa de madrugada, com a rua já vazia, as casas dormindo e o corpo pesando.

Na quarta-feira à noite em que comemoraria seu 12º aniversário, se pudesse dar-se ao luxo, sentiu o puxão no braço. O corpo pesado demais para se desvencilhar: "a mulatinha está cooperando". Dois homens – um gorducho bigodudo e um franzino meio calvo – a estavam levando sabe-se lá para onde, já mexendo em seu vestidinho surrado.

Acordou na frente de um postinho de saúde no centro, dolorida e com manchas vermelhas na roupa. Uma senhorinha a olhava com preocupação, chorava e dizia que não conseguiu que fosse atendida – não havia dinheiro.

A pequena menina levantou-se, agradeceu à velhinha, e mancou para casa. A vida não para. Ainda precisava pegar as roupas daquela manhã. De tarde, ainda faria faxina na casa de bom pagamento. À noite, voltaria ao bar para varrer, e tentaria trazer consigo um pedaço de madeira na volta para casa, pois ainda tinha que estudar matemática antes de dormir suas bem calculadas 5 horas de sono. 

A vida como ela não deve serOnde as histórias ganham vida. Descobre agora