Capítulo 23 - O chantagista

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A primeira sensação foi de alívio por descobrir que o meu amor nunca estivera por trás daquela chantagem. Ele continuava íntegro e puro, o que só aumentava a minha culpa. Mas, sentir culpa só vale a pena se isso nos permite mudar e eu estava disposta a promover todas as mudanças necessárias para me tornar uma pessoa melhor.

Assumir meus erros perante o meu marido me deu a força que eu precisava para recomeçar. Quis fazer um trato com ele, prometer jamais cair em tentação novamente, mas, ele abortou o assunto. Conhecia-me o suficiente para saber que o melhor era não me pedir esse tipo de coisa, foi o que ele disse. Eu, no entanto, estava disposta a lhe mostrar que estava enganado, mas, isso só seria possível com o tempo.

Esclarecer os fatos não era o suficiente para garantir a nossa tranquilidade. Havia um chantageador à espreita, pronto para causar estragos. A melhor maneira de lidar com um sujeito desses é pela via legal. Ninguém deve ceder à uma chantagem. Pois, por maior que seja o preço pago, o chantageador sempre volta para exigir mais. Pode ser extremamente constrangedor ter que relatar à autoridade policial as razões que levaram à chantagem. Ainda assim, o custo é bem menor.

No meu caso, todos os envolvidos vivíamos em uma cidade pequena e tínhamos algum relevo na sociedade local. Logo, as chances de um escândalo eram evidentes. E a pessoa que mais sofreria com a exposição seria o Sr.B, justo ele, a maior vítima da história. Por isso, propus que, antes de procurar as autoridades, eu buscaria conversar com o engenheiro chantageador. Não para propor um acordo, apenas, para notificá-lo de que não cederia e que caso ele decidisse continuar com aquela besteira, teria que enfrentar a justiça.

Mandei-lhe uma mensagem, propondo um encontro na cidade vizinha. Quando ele chegou ao restaurante combinado, me encontrou ao lado de meu marido. Quis recuar quando a hostess o encaminhou até a nossa mesa, mas, eu não permiti. Vi-o se desfazer em mil cores diferentes quando alcancei o seu braço e puxei-lhe a cadeira. Tanto eu quanto o Sr.B. mantínhamos uma aparência tranquila, ao contrário dele, que não conseguia disfarçar a surpresa e o medo.

-Não se preocupe - fui dizendo tão logo a funcionária do restaurante se afastou.- Meu marido já sabe de tudo.

-Que brincadeira é essa? - Perguntou ele se sentando a contragosto.

-Eu é quem pergunto - respondeu o meu marido.- Afinal, foi você quem deu início à ela, quando enviou aquela primeira foto para a minha esposa.

-Quem começou foi ela, há muito mais tempo, quando me seduziu naquela viagem, me usou e depois desapareceu. Ignorou-me por todo esse tempo, enquanto mantinha um amante, mesmo sendo casada. Pensou que se livraria de mim? Esqueceu como é fácil encontrar qualquer pessoa hoje em dia?

-E você achou um jeito de ganhar um dinheiro fácil, não é? Entrei na conversa. Cada palavra que ele dizia era como uma facada bem aqui no meio do meu peito. Queria acabar logo com aquilo. Mas, a resposta dele me surpreendeu:

-Não estou interessada no seu dinheiro. Estou interessado em você. Depois de tentar, de todas as formas, sem sucesso, reencontrá-la da maneira que todo mundo faz hoje em dia - através das redes sociais, percebi que o único jeito era me aproximar fisicamente. Não foi fácil descobrir onde você morava; mais difícil ainda, foi modificar meus projetos de vida para vir morar nessa cidade. Mas, aí chego aqui e descubro que, embora não se importe de ser infiel ao seu marido, não está disposta a me dar uma chance. No entanto, eu precisava ter você de qualquer maneira.

-Você é louco!

-Sim, sou louco por você. Você não imagina o quanto sofri quando você desapareceu. Acompanhei as notícias sobre as buscas empreendidas pelo seu marido, mesmo quando a polícia já havia desistido. Eu não podia fazer tantas perguntas, afinal, para todos você me era uma completa desconhecida. E, ao contrário de seu marido, que podia sofrer abertamente, tinha que engolir as lágrimas, toda vez que ele retornava sozinho de Minas Gerais.

Era muito difícil ver o semblante de meu marido enquanto ouvia essas confissões. Havia espanto e sofrimento. E uma aceitação derrotada também, como se fosse ele tivesse a ciência de que era esse o preço a ser pago por permanecer casado comigo. "Vai ser sempre assim", ele me dizia com aquele olhar. Eu nem sabia o que dizer, queria pedir perdão, queria deixar claro para o meu antigo amante, que não havia chance de aquele seu sentimento ser correspondido. E foi isso que eu disse a ele. E disse mais:

-Não vou me submeter a nenhuma chantagem. Não pago nenhum valor. Você sabe que chantagem é crime. Pode ser enquadrado por extorsão e constrangimento legal. Se continuar com as ameaças, vou me queixar formalmente às autoridades. Se você pensou que eu temeria meu marido, agora já sabe que ele está ciente de tudo o que ocorreu. Se você quiser me expor para toda a cidade, fique à vontade. Causará algum constrangimento para a minha família, mas, não ganhará nada em troca.

Aquele encontro constituiu uma situação extremamente constrangedora para os três, mas, era muito necessário. E foi a atitude mais corajosa que eu tive em muito tempo. Mais coragem ainda teve o Sr.B. Afinal, ele não tinha porque se submeter a isso, a não ser pelo desejo de manter o nosso casamento. Saí daquele restaurante ainda mais decidida a honrá-lo daí em diante. Mencionar minha decisão de procurar a polícia fez com que o nosso convidado deixasse a mesa antes mesmo de fazer os pedidos para o almoço e fiquei torcendo para que ele deixasse nossas vidas definitivamente.

Os meses seguintes foram de reconciliação e de recuperar o tempo perdido com a minha família. Procurei ser a esposa dedicada e a mãe de família extremosa de antes. Nossa família reencontrou a paz e a vida na fazenda voltou a ser produtiva e animada. A Cooperativa de Produtores Rurais teve que encontrar outro engenheiro agrônomo, pois o antigo encontrou a oportunidade de fazer uma pós-graduação em outro Estado. Confesso que vibrei com a notícia.

Mas, a vida é uma sucessão de tormentas e calmarias, não é verdade? Era visto que a calmaria já estava durando tempo demais. Nossa família logo seria posta à prova de novo. E embora, dessa vez eu não tivesse tomado nenhuma decisão egoísta, nenhuma atitude que me fizesse sentir culpada, os acontecimentos não me trouxeram menos sofrimento. Porque se tem alguém mais importante do que o Sr.B em minha vida, esses são os meus filhos. E não há como provocar sofrimento maior na vida de uma mãe do que ameaçar tirar-lhe a convivência com suas crias. 

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