Capítulo 20 - Reencontro

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Naturalmente não haveria reconciliação para o nosso casamento, mas, eu precisava contar com o seu perdão. Era só nisso que eu pensava: conseguir manter ao menos a sua amizade. Essa obsessão me impedia de pensar em outras questões também importantes. A pessoa que estava por trás das fotografias comprometedoras, por exemplo. Não era o meu amante. Ele não tinha como saber do meu caso relâmpago com o estudante.

Aliás, a única pessoa que teve a oportunidade de fazer aquela imagem é o próprio estudante. Ou não? Será que havia mais alguém naquela suíte de hotel? Minha angústia ia aumentando à medida em que esses pensamentos ocupavam a minha mente.

-Dói muito?- perguntou a enfermeira, toda solícita, enquanto me acomodava na cama, ao ouvir o meu suspiro. "Dói na alma", era a resposta mais adequada naquelas circunstâncias. Mas, o que aquela profissional tinha a ver com minhas escolhas erradas?

Acordei com a algazarra das crianças. Eu dormira por um longo período, em parte devido ao cansaço, em parte por causa da medicação. Aquelas vozes tão querida, das quais eu sentira tanta falta, me fizeram me sentir eufórica. Por um momento me pareceu estar em minha própria casa. No entanto, essa sensação durou pouco; ao abrir os olhos, dei de cara com o cenário hospitalar e a realidade caiu sobre mim com todo o seu peso.

Os momentos seguintes foram de pura festa. Buquês de flores transformaram o ambiente com suas cores e perfumes e fui instada a escolher aquele do qual mais gostara. Tarefa difícil para uma mãe amorosa, decidida a não privilegiar nenhum filho em detrimento dos demais. Mas, as crianças, irredutíveis, não aceitavam um empate.

Estávamos nesse impasse, a meninada aboletada na minha cama, quando ele entrou. Antes de me virar para a porta, já sabia quem entrava. Conheço o som e o compasso daqueles passos e, principalmente, aquele perfume. Meu coração deu um salto, minha voz falhou e as crianças perceberam meu desacerto. Busquei seu olhar.

Encontrei ali uma alegria genuína. Nada de dúvidas, nada de decepção, mágoa, apenas a plena satisfação do reencontro. Desarmei-no mesmo instante em que trocamos um beijo apaixonado. As crianças à nossa volta aplaudiam e se juntavam ao nosso abraço. Eu fizera muita falta. Os momentos seguintes foram gastos em matar a saudade, enquanto cada um queria contar primeiro o que andava fazendo na escola, como tinham feito um gol decisivo no jogo de futebol, os pintinhos que tinham nascido na fazenda, etc. etc.

Eu procurava dar atenção a cada um, fazia perguntas, estimulava-os a compartilharem comigo os acontecimentos daquele período em que estive ausente. Enquanto isso, o Sr. B. se mantinha em silêncio; às vezes respondia a uma pergunta feita por uma das crianças ou tentava organizar a comunicação naquele grupo alvoroçado. Fora o beijo, não tivemos mais a oportunidade de uma interação direta, não trocamos uma palavra sequer.

A criançada, no afã de me colocarem a par das novidades, não me fizeram uma única pergunta sobre onde estivera nos últimos tempos. Não sabia o que meu amor lhes contará, aliás, tinha muita coisa que gostaria de saber, mas, evidentemente, aquele não era um momento para perguntas. Nas horas seguintes eu mais ouvi do que falei, e confesso que fiquei bem aliviada com isso.

Mas, eu sabia que o confronto definitivo estava por vir. Ao mesmo tempo em que temia por este momento, ansiava por ele, pois aquela incerteza era de uma crueldade sem tamanho. Momentos depois a enfermeira chegou para dizer a visita deveria se encerrar pois eu precisava descansar, o que gerou um protesto generalizado. Eu esperava que meu amor fosse pedir para ficar mais um pouquinho, mas, ele saiu com as crianças. Fui medicada e adormeci logo em seguida. Quem disse que seria fácil o meu retorno?

Acordei horas depois, sozinha. Quando a enfermeira voltou para checar a temperatura, medir a pressão e ministrar mais medicamentos, trouxe a notícia de que teria alta em breve, o que me deixou bastante animada. Tomei um banho demorado e me arrumei com capricho, fazendo uso das roupas e itens de higiene trazidos pela minha família. Quando a porta se abriu novamente, eu estava diante da janela, observando a paisagem belorizontina, perfumada, maquiada e com o coração na mão.

Virei-me e lá estava ele, lindo, sorridente e sem as crianças. Dessa vez o beijo foi bem mais demorado. Em seguida, ele pegou a minha mão e me conduziu para fora daquele quarto e de volta à sua vida.

-Vamos para casa.- Disse, enquanto pegava a alça da minha mala com a outra mão. Depois das formalidades da alta hospitalar nos juntamos aos nossos filhos e nos dirigimos para o aeroporto, a caminho de casa.

Horas depois, já no nosso lar, depois do jantar e de colocarmos as crianças na cama, nos vimos finalmente sós. Então, eu depositei minha mão em seu rosto, fazendo-o se virar em minha direção e disse, olhando diretamente em seus olhos e disse:

-Meu amor, precisamos conversar.

-Não precisa ser agora. Você deve estar exausta. O mais importante é que você está aqui e agora teremos todo o tempo do mundo.

-Tenho tanto para lhe dizer... No entanto, eu queria começar com uma pergunta: você me perdoa?

Nesse momento ele começou a chorar. Eu também não pude segurar as lágrimas. Nos instantes seguintes os únicos sons naquele quarto foram nossos soluços. Então, ele pegou minha mão entre as suas, levou-a aos lábios, depositando-lhe um breve beijo e o que disse em seguida me deu uma felicidade sem tamanho, ao mesmo tempo em que fez com que eu me sentisse a pior das criaturas:

-Tive tanto medo de lhe perder!

Eu estava preparada para a cólera, para os pedidos de explicação para o que era inexplicável, para as acusações. Não usaria de subterfúgios, não fugiria à minha culpa. Pediria perdão de joelhos, assumiria meu erro e aceitaria minha pena sem pestanejar. Uma declaração daquelas era tudo o que eu não merecia naquele momento. No entanto, era mais uma vez brindada com o amor incondicional do Sr. B.

Quando sua boca se aproximou da minha, acolhi-a como quem acolhe o próprio sopro da vida, após viver uma experiência de quase morte. E o amor que fizemos naquela noite é impossível de se descrever em palavras.

Novas Confissões da Trintona DescoladaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora