um.

38 5 5
                                    


Meu amigo Jisung é um pouco estranho, as vezes parece vir de outro planeta, ele não é como os outros garotos da nossa idade. Quando chegou transferido de outra escola ele não disse uma palavra, só começou a falar depois de um mês, e o mais esquisito é que ele não tem celular! Como alguém dessa idade não tem um celular?

Descobri isso quando fui falar com ele pela primeira vez, fiquei com pena dele já que estava sempre calado e sozinho, se virasse meu amigo ele pelo menos poderia ficar calado em grupo. Pedi o numero de celular dele para adiciona-lo no meu grupo de amigos e ele me perguntou: "O que é isso?".

Pensei que ele se referia ao grupo de amigos e não ao número de celular o que me deixou com mais pena dele naquele momento, ele era todo quietinho e na dele, achei que talvez nunca tivesse tido amigos. Reparei que ele tinha um sotaque estranho e pensei que fosse estrangeiro, parecia que tinha acabado de começar a aprender nossa língua. Expliquei o que era um grupo de amigos para ele.

━ Eu sei o que é grupo de amigos, a gente tem isso de onde eu venho, só não sei o que é esse tal de número de celular.

Quase cai duro em cima da classe dele, pensei em desmaiar mas achei inapropriado para o momento, vai que ele era um garoto de uma comunidade hippie e os pais dele defendiam a não-tecnologia, não se da opinião sobre crenças ou preferências, então fiquei na minha. Fingi não estar chocado e expliquei o que era o "tal de número de celular".

━ Ah... Não vejo necessidade de um meio de comunicação trivial quando estamos perto um do outro, a comunicação em palavras transparece os sentimentos e faz com que não hajam erros de entendimento. 

Não sei como ele sobreviveu neste mundo até hoje, sinceramente. Decidi pedir a ele algo mais simples para que eu não me chocasse mais, o convidei para passar o recreio comigo. Quando o sinal tocou fiquei o esperando na porta, mas ele simplesmente não vinha. 

Ele ficou sentado na cadeira, imóvel, não teve nenhuma reação diante do segundo sinal mais esperado no dia de um aluno (o primeiro obviamente era o do horário da saída), foi ai que percebi, se fosse começar uma amizade com esse garoto teria que ter um coração forte e muita paciência. Ele era lerdinho. 

━ Você não vem?

━ Para onde?

━ Hmm, o recreio obviamente!

━ E onde fica isso?

As lagrimas quase caíram, o que era esse garoto afinal? Ele era apenas antissocial ou burrinho mesmo? Dei uns tapinhas nas costas dele e o mandei levantar, fomos ao refeitório, pegamos o lanche e fomos para o pátio. Eu tinha muitas perguntas.

Meses se passaram e viramos melhores amigos, ele já sabia minha vida inteira, mas eu ainda o conhecia pouco. Suco de uva, sorvete, livros e as estrelas de plástico fluorescentes no teto do meu quarto eram as coisas preferidas dele, mas fora isso, eu não sabia mais nada. 

━ Qual a sua música favorita Ji?

━ Alô, alô marciano da Elis Regina, me define com todas as palavras. 

Ele dava sorrisinhos pequenos quando falava sobre algo que gostava, quase sempre sobre o suco de uva, e tinha a mania de virar a cabeça para os lados que nem um cachorrinho quando eu falava sobre algo que ele não conhecia. Era fofo, mas as vezes eu tinha uma sensação estranha sobre ele, como se estivesse escondendo algo muito importante de mim.

As notas dele eram perfeitas, ele parecia apenas um gênio para o resto da turma, mas para mim era estranho o fato de ele gabaritar todas as provas sem nenhum erro de escrita ou cálculo sequer. Aquilo era mais do que impossível, além de ser estranho à beça. 

Sempre íamos para a minha casa depois das aulas, ele me explicava matemática e eu respondia as perguntas curiosas dele. Jisung dizia que morava perto e não tinha problema em ir embora tarde. Novamente, estranho.

━ Ei Ji, o que os seus pais fazem?

━ Eu não tenho pais, moro com uma idosa.

Se alguém qualquer ouvisse isso talvez achasse triste e não perceberia a estranheza nas palavras. Ninguém chama a avó de "idosa" ou da um sorrisinho que faz os olhos virarem dois risquinhos depois de dizer que não tem pais.

Após o observar por semanas e prestar muita atenção no que ele fazia nos momentos em que eu normalmente não o estaria observando eu cheguei a uma conclusão irreal. Pensei estar louco, talvez o pranto da Elis tenha sido ouvido lá em Marte.

Pedi para dormir na casa dele de sexta para sábado, estava curioso. Nunca tinha ido lá, sempre nos encontrávamos na minha, mas dessa vez seria diferente. Eu faria as perguntas e ele responderia.

Se eu estivesse delirando (o que é extremamente possível), pediria para que ele me internasse pois eu havia ficado louco e meu fim estava próximo. Mas eu não desistiria até arrancar a verdade sobre ele.

Ele morava em um prédio pequeno de quatro andares, sua "idosa" não estava em casa, mas ele disse que ela chegaria mais tarde. O quarto dele era branco com moveis cinzas e não tinha nada em cima da escrivaninha e nem colado nas paredes.

Passamos horas a fio sentados no chão conversando sobre a escola e algumas outras coisas aleatórias, estava com medo de perguntar algo e ele me abduzir ou coisa do tipo. Eram oito horas da noite e a avó dele ainda não tinha voltado.

Fiquei inquieto e decidi sanar as minhas duvidas de uma vez pelo bem da minha sanidade, deitei na cama dele com as costas na parede e alguns segundos depois ele me seguiu e deitou de frente para mim. Estávamos cara a cara, era agora ou nunca. Dane-se. 

━ Jisung, por que você não é verde?

━ O que? Por que eu seria verde?

━ Marcianos não são verdes?

Os olhos dele se arregalaram e depois disso as coisas ficaram loucas.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Feb 07, 2021 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Marcianos não são verdes?Where stories live. Discover now