As Árvores Entre Nós

Agrotóxico Não Faz Mal? Então Bebe Porrraaaa

[Sônia POV] 

Hoje acordei bem cedo, Boulos e eu havíamos sido convidados para um café da manhã na sede do PSOL. Como era um café da manhã colaborativo eu precisava fazer alguma coisa para levar, me debrucei sobre a mesa e comecei a pensar em pratos possíveis, particularmente não gosto muito de cozinhar, mas adoro me reunir com pessoas que gosto então estava animada.

Decidi fazer uma travessa de beiju, fiz de vários sabores - a maioria salgados pois sei que minhas companheiras e companheiros não são tão chegados a doces.

Boulos ficou de me buscar em casa. Eu poderia ir com o motorista que o Partido me designou, Luís, mas eu não resisto à garupa da Kawasaki Vulcan 1500 de Boulos - uma das coisas que nos aproximou enquanto amigos foi a paixão por motos clássicas. 

Passei bastante óleo de coco nas madeixas e deixei que meus dedos deslizassem pelos fios até que sentisse que tinha passado o suficiente para dar brilho mas não para torná-los pesados demais, afinal gostava do meu cabelo com bastante balanço. Passo um pouco de gloss também porque me falaram que é a tendência para o ano e eu me apaixonei muito.

Olho para o relógio e penso que Boulos está atrasado. Será que ele se envolveu em alguma ocupação novamente e esqueceu do que combinamos? Não poderia acreditar. Se ele demorar demais vou ter que ligar para Luís. 

Decido ligar só por curiosidade, para saber onde ele está.

- Alô, Luís?

- Oi, Dona Sônia, tudo bem?

- Tudo sim, e você tá bom?

- Tô graças a Deus.

- Maravilha companheiro. Escuta, você está aqui por perto?

- Ah Dona Sônia, nem tô. Tô aqui no cruzamento da Inácio com a Lulamar, preso num trânsito muito ruim. O Partido me mandou aqui pra buscar um Pessoal para o Café da Manhã.

- Ah, tudo bem Luís, força companheiro. 

Desligo o telefone e começo a pensar fortemente em Boulos e folheio o nosso livro "50 Receitas de Boulos Para Mudar o Brasil", me lembro como se fosse hoje do dia em que tiramos aquelas fotos, não me divertia daquele jeito há muito tempo - Boulos e a galera do PSOL são muito brincalhões.

[ambientação: White Mustang - Lana Del Rey começa a tocar]

Um cheiro de pneu queimado invade a casa. Fico assustadíssima e vou até a janela para ver o que é. Quando ouço ao longe o ronco do motor da Vulcan não tenho dúvida alguma de que era Boulos. 

Ele estava com uma jaqueta de couro preta - conhecendo-o sei que é sintético, afinal somos contra a crueldade com animais para satisfazer demandas capitalistas - belíssima, óculos escuros e uma calça jeans azul marinho. Meu coração vibrou ao ver o Moreno chegar na motocicleta.

Coloco os beijus numa vasilha e guardo-a na mochila que levaria nas costas. Cumprimento Boulos com um sorriso e grito, saindo de casa: 

- Oi, Bouli!

- Fala, Guaja! - Ele abre um sorrisão e levanta os óculos escuros, revelando os olhos apertados pelas bochechas.

Subo na moto e seguro firme na cintura do meu Amigo. 

- Bouli, por que demorou tanto?

- Desculpa, Guaja, estava resolvendo umas coisas com o MSTS, nada demais, apenas conversa.

(Nunca é "apenas" conversa, Bouli é apaixonado demais para ficar "apenas" na conversa) - penso.

- Entendo. E aí, o que você trouxe pro Café do Partido?

- Ah, eu tava trazendo uns muffins que fiz quando acordei, mas acabei distribuindo entre a galera do MSTS, não me aguentei. 

- Bouli você NÃO MUDA.

Rimos muito, pelo menos eu estava levando alguma coisa.

Chegando lá somos recebidos pelo presidente do Partido, Juliano. Ele nos cumprimenta e nos sentamos ao redor de uma grande mesa. No fim a coisa do colaborativo foi mais simbólica do que qualquer outra coisa, o Partido havia comprado bastante comida - é o que presumi uma vez que a quantidade de comida era muito superior ao número de presentes.

Me delicio com um pedaço generoso de pão de metro enquanto Boulos está comendo paçoquinhas - guardando espaço, é claro, para a grande fatia de bolo de chocolate que pôs à sua frente na mesa assim que começou a comer.

- E então, Sônia, como vai a preparação para o Debate das Vices? Já é essa semana, né? - Dudu, um dos marqueteiros novos, me pergunta.

- Hahaha, tô sim! Tinha até me esquecido que era essa semana hahaha mas sim estou preparada, preparadíssima- Obviamente dei uma risada nervosa e estava mentindo, tinha me esquecido completamente e não estava preparada.

Mas a preparação não era uma questão que me assustava tanto, eu e Bouli estudamos muito na construção dessa campanha, tenho certeza que me sairia bem. O que realmente me assusta é que ELA estará lá.

Começo a sonhar acordada sobre a Morena, pensar em seu corpo, seus olhos e seu sorriso, aarg aquele maldito sorriso. Eu sou secretamente apaixonada por Kátia Abreu há algum tempo, desde quando nos conhecemos quando ela viajou ao Maranhão para tentar derrubar terra indígena e substituir por plantação de Soja. O jeito que ela segurava aquela motosserra era ameaçador e inconfundível. 

Eu me apaixonei por Katy assim que a vi, mas não podia sustentar o sentimento de jeito algum, afinal ela agora estava concorrendo contra mim, e ainda por cima vai de encontro à maioria dos meus ideias. Chega! Eu preciso enfrentar essa mulher no debate e superá-la de uma vez.

- Guaja? - Bouli me chama e eu acordo de um pequeno transe. Olho para ele e está com o cavanhaque cheio de migalhas de bolo de chocolate, dou uma risadinha, ele ri de volta.

-Guaja, onde você estava? Pensando no Debate das Vices?

- Sim, eu estava refletindo sobre ele. Estou animada! Nós vamos ganhar essa eleição!

Todos à mesa gritam em animação e brindamos ao desafio que se aproxima.

Meu nome é Sônia Guajajara. Eu tenho lutado contra um monte de coisas, e eu particularmente repudio todas elas. O que eu tenho não é um sonho, porque eu vou torná-lo uma realidade: vou derrotar Kátia Abreu, depois Manuela D'Ávila e ir para o segundo turno com Boulos.