1 - Único

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Você se lembra de mim? Chenle, da oitava série. Nunca nos demos bem quando mais novos. Lembro quando jogou suco de uva no meu uniforme de educação física propositalmente porque eu acidentalmente sujei sua camisa. Foi nesse dia que nos conhecemos, lembra?

Éramos alunos novos na turma. Você me dava medo, de alguma forma conseguiu me intimidar apenas com um olhar. Era assustador. E você só foi ficando cada vez pior.

Acho que me odiava pelo simples fato de que eu manchei seu uniforme logo no primeiro dia de aula e te deixei em uma baita encrenca com seus pais. Ainda me sinto mal por isso. Me desculpe.

No começo eu odiava quando você implicava comigo por causa dos meus óculos. Qual é, eram apenas óculos, não tem nada de errado com eles. Exceto que o estilo dos meus me deixava parecido com um vovô. De tanto você me provocar, passei a usar lentes.

Lembro da época em que começamos a nos aproximar. Descobri o motivo pelo qual você era tão bravo, esquentadinho, vingativo e, ao mesmo tempo, fechado. Você tinha olheiras que eu percebi por baixo daquela camada de maquiagem. Dormia nas aulas e seu rendimento escolar caiu. Percebi que havia emagrecido, já que provavelmente não comia direito. Você tinha se tornado mais fechado ainda e não me provocava mais como antes. Acho que nem me via mais na sala de aula.

Aliás, você não via ninguém.

Comparado com o jeito que agia antes, percebi que algo acontecia com você. Foi aí que comecei a me preocupar. Tentava te seguir sem que você percebesse, pois não queria parecer um maníaco perseguidor (embora era exatamente isso que estava fazendo).

Ao te seguir, via que você sempre dava um passeio pelo bairro antes de chegar em casa. Algo estava acontecendo e eu queria muito te ajudar. Parecia que ninguém notava que você estava pedindo ajuda indiretamente, mas eu notei. Talvez não era minha ajuda que você queria, mas foi ela que conseguiu.

Foram duas semanas te seguindo e não conseguia entender nada. No quinto dia da terceira semana foi o dia em que eu descobri.

Você já havia entrado em sua casa, mas eu não queria ir pra minha, já que meus pais estavam trabalhando e não queria ficar sozinho com Storm e Moon, minhas duas gatas. Fiquei subindo e descendo a rua de sua casa. Não demorou muito para começar a ouvir gritos vindos de dentro da casa. Era um homem gritando coisas que eu não conseguia decifrar. Quando os gritos pararam, percebi meu coração acelerado. Não demorou para que você saísse pelo portão, com o rosto machucado e com um pouco de sangue escorrendo pela testa e pelo lábio inferior.

Você me perguntou o que eu fazia ali e eu menti, dizendo que estava indo para casa. Pude perceber você abaixando a cabeça naquele momento, como se estivesse com vergonha de que eu visse seu rosto machucado. Ficamos então em um silêncio um pouco constrangedor. Para quebrar esse clima, pergunto se precisava de ajuda. Você negou com a cabeça, mas antes hesitou, o que me fez ter certeza de que você queria de alguma forma que alguém te tirasse daquele lugar o mais rápido possível.

Eu ignorei o fato de que talvez você quisesse ficar sozinho, mas eu não queria te deixar. Tentei puxar assuntos com você, mas você só estava sendo monossilábico em todas as respostas. Limpei seus ferimentos com o algodão que compramos na farmácia e fiz um curativo um pouco desajeitado. Afirmei que, se você quisesse, eu iria agir no dia seguinte como se aquele momento presente não tivesse acontecido.

E de repente, aquilo que estava torcendo para que não acontecesse, aconteceu: deu o horário de voltarmos para nossas casas. Fui andando contigo até a sua, mas passamos dela. Perguntei onde você estava indo e você me respondeu que iria me acompanhar até minha casa. A verdade é que minha casa era um pouco longe dali e era para o outro lado. Insisti para que você não me acompanhasse, até porque estava planejando seguir aquele caminho novamente nos dias seguintes.

Algumas semanas se passaram, já tinha virado rotina nossas caminhadas até sua casa e os encontros depois da aula, só para você fugir de casa. Conseguia perceber que você sorria mais, mesmo que fosse um pequeno sorriso. Meu coração se aquecia toda vez que você me olhava.

Fui conquistando sua confiança aos poucos, assim como você conquistava a minha.

Acho que essa companhia estava fazendo bem para os dois. Meu mundo ficou mais colorido e você voltou a agir como antes. Grosso, agressivo e cheio de ironias. Pela primeira vez, fiquei feliz com isso. Com essa proximidade, você não implicava mais comigo, mas sim com os outros.

Uma das cenas que sempre lembrarei foi quando você começou a bater em outros estudantes nos fundos da escola e acidentalmente me deu um soco quando eu tentei parar a briga. Nunca te vi tão bravo e preocupado ao mesmo tempo.

Quando estávamos sozinhos no parque em uma quinta-feira, logo depois da aula, você resolveu me contar sua história. Seu pai sempre te bateu muito e as coisas pioraram quando ele passou a voltar bêbado para casa após a morte recente de sua mãe. Você estava arrasado por não ter mais aquela companhia feminina que te deixava confortável em sua casa. Esta agora parecia um inferno. Sempre foi agressivo com os outros porque seu pai sempre foi agressivo com você.

O Jisung que todos diziam não ter coração, na verdade possuía um... e bastante machucado.

Admitiu ter pensado em suicídio muitas e muitas vezes, mas seu amor pela dança o fez ficar nesse mundo. A esperança de um dia estar entre os melhores do mundo dominava você inteirinho. Sua vida era a dança.

Acabei contando uma história que não foi planejada na minha mente... (Finge que estou rindo, não sei como demostrar risadas por meio de uma carta)

O meu objetivo principal era te contar o que você significou pra mim.

Jisung, só tenho que lhe agradecer por literalmente tudo. Todos os momentos que passei ao seu lado foram mágicos. Você me fez enxergar o mundo de outra forma, você me fez encontrar a alegria em momentos simples, me fez ver cores que eu nunca tinha visto antes. Parecia que tudo acontecia por e para nós. Você foi o primeiro garoto que eu realmente amei.

Você me fez sentir como se eu fosse único no mundo. Senti que só com você, eu me tornava completo. Sem você, eu era apenas um... Chenle pela metade. Meu primeiro namorado foi você, Jisung, o amor da minha vida. Você me fez acreditar que seríamos felizes juntos. De fato, fomos muito felizes. Minha verdadeira preocupação é: agora, separados, você está feliz?

Estou feliz que seguiu seu sonho de viver dançando. Lembro quando dizia sorrindo e olhando em meus olhos que um dia seria o dançarino mais famoso do mundo. Devo lhe parabenizar! Estou realmente muito orgulhoso de você. Conseguiu alcançar seu maior objetivo e hoje é um dos melhores do mundo. E para mim, você é o que está em primeiro lugar.

Você me fez imaginar que poderíamos tocar as estrelas. Por ironia do destino, agora eu me tornei uma.

Me desculpe por não estar fisicamente ao seu lado nessa parte tão importante da sua vida. Viva esse momento intensamente. Estarei sempre te protegendo daqui de onde estou, não deixarei nada de ruim acontecer com você. Eu prometo.

Espero o dia em que nossas almas se encontrarão novamente. Desta forma, estaremos eternamente juntos e a morte não será capaz de nos separar.

Esperarei por você e, de preferência, esperarei um longo tempo.

Sempre foi você.
E sempre será você.

Eu te amo, Park Jisung, sempre te amarei.

Zhong Chenle

Letter to Jisung  [ChenSung]Where stories live. Discover now