Capítulo 03

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Eu estava sentada dentro do carro ao lado de Hugo e mal conseguia tirar os olhos dele. Parecia ainda mais sedutor do que me lembrava. Seus olhos enrugados pareciam ainda mais indecifráveis do que costumavam ser. Houve o tempo em que desejei descobrir seus segredos através deles, mas acabei desistindo assim que entendi que era impossível descobrir a essência de Hugo quando acabava enfeitiçada pela fome de vida que enxergava dentro de suas íris. Seus cabelos castanhos claros continuavam desalinhados como me lembrava e era como voltar no tempo e ficar encantada e esperançosa quando apenas me olhava. Um tempo em que queria mais dele, mas que me conformava com uma simples troca de olhar.

- Precisa aprender a dirigir e fazer jus à carta que tirou antes de deixar o Brasil.

- Não sei se vai precisar! – Respondo frustrada e cansada de tentar me manter alheia à sua presença, ao efeito que me causava por estar tão próximo, um misto de raiva e vontade de beijá-lo, de dizer o quanto me fez sofrer quando só ansiava que me enxergasse como uma garota. – Não pretendo ficar muito tempo em Toledo. Tenho uma agenda de espetáculos para cumprir em Moscou. Minha vida não é mais aqui, Hugo!

- Não estou tão certo que irá retornar para a Rússia tão cedo. – Fala sem desviar a atenção da estrada. – O quadro de seu tio não é dos melhores e conhecendo você como conheço, sei que não o deixará para trás para seguir com sua vida.

- Não sabia que me conhecia tão bem! – Deixo transparecer o sarcasmo de propósito.

- A conheço mais do que imagina, Betina. E não precisa ficar brava!

- Não estou brava! – Solto em uma lufada só. A verdade era que eu estava ansiosa por reencontrar meu tio, o único que me deu amor e se preocupava de verdade, e estava me sentindo incomodada com a presença de Hugo, alguém que me feriu mais do que podia suportar.

Ele não fez questão de responder mais e eu agradeci por isso. Não tinha cabeça para lidar com toda a tormenta que foi Hugo em minha vida, com todas as recordações que me trazia e de todas as frustrações que senti por nunca ter me dado uma chance.

Amar sozinha foi de longe a pior experiência de minha introvertida adolescência. Eu podia ter escolhido outro mais simples, menos galinha e mais parecido comigo para suspirar e sonhar acordada, mas foi Hugo que meu coração escolheu para tombar como um tolo.

E isso me custou tanto, ah como custou. Me custou minha autoconfiança que acabava cada vez mais enterrada cada vez que o via beijando outra garota.

Hugo estacionou o carro e me conduziu até a entrada dos funcionários, um caminho mais rápido para chegar até meu tio. Vê-lo ligado a tantos aparelhos apertou meu coração e Hugo estava certo quando disse que não teria coragem de deixá-lo para trás quando havia sido tão importante em minha vida.

Deixo as lágrimas saírem sem me importar por parecer fraca. Estava cansada de demonstrar a fortaleza que nunca tive. Apenas queria poder voltar no tempo e ter tido a oportunidade de dizê-lo que o amava, que sempre o considerei o pai que não tive. Eu podia ter o sangue de outro homem, mas foi Breno que me amou como um pai e isso ninguém podia negar ou tentar me tirar. Era minha única verdade.

- Ele pode me ouvir? – Pergunto quando noto a aproximação de Hugo.

- Não sabemos ao certo se um paciente em coma pode ouvir ou sentir. Mas prefiro acreditar que ele saiba que você está aqui com ele. – Aproxima-se mais de mim e me conforta com seus braços calorosos. Não o afasto, porque preciso desse carinho e deixo minha cabeça apoiar em seu peito enquanto sinto seus lábios em minha cabeça.

- Devia ter vindo antes! Ele sempre me cobrava que precisava voltar para o Brasil, mas fui tão egoísta. – Confesso sem temer ser julgada por Hugo ou mesmo assumir meus medos diante daquele de quem tanto fugi.

Outra vez o Amor - AMOSTRAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora