Capítulo 02

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- Menina ingrata! – Rosane ralha comigo com razão, enchendo seus olhos enrugados de lágrimas, estendendo seus braços aconchegantes para que eu pudesse ser acolhida como na infância, quando me machucava ou não conseguia dar o meu melhor no balé para ser aprovada no Bolshoi.

- Que saudade, Rosane! – Falo, deixando-me levar pelo coração e pela alegria de ser querida por alguém.

- Venha logo! Deve estar com fome. – Não seria Rosane se não se preocupasse com nossos estômagos. Era uma descendente de alemães e suas cucas eram as melhores de Toledo. Eu amava suas cucas com recheio de creme de vinho. – Quando André me falou que voltaria, tratei de fazer tua cuca preferida. – Minha boca saliva em resposta.

Entrei na velha casa e tudo havia mudado, mas já esperava por isso, considerando que minha tia dava um dedo por uma reforma e se preocupava em sempre estar na moda.

- Não sei se devia ficar aqui, Rosane! Mas não sabia para onde ir. – Confesso, sentindo o temor de ser mal recebida por minha tia.

- É sua casa também, meu bem! – Responde com o rosto fechado, fazendo-me lembrar o quanto a temia quando estava brava. Os alemães tinham fama de serem frios, mas era apenas fama. Eram sim tímidos e fechados até pegarem confiança. – Lembre que seu avô deixou isso registrado em seu testamento.

- Pena que tia Luiza não recorde de tal cláusula. – Falo em tom debochado e quando me volto para a porta que dá acesso à cozinha, encontro minha tia, tão soberba e orgulhosa quanto minha memória era capaz de recordar. – Tia! – Exclamo assustada, por ter sido pega de surpresa.

- Que bom que se indignou a voltar por seu tio, já que esqueceu a família quando ficou famosa! – Ela não tinha o direito de me cobrar nada. Não havia movido um dedo para me apoiar ou mesmo perdido um dia para me acompanhar em um ensaio ou mesmo em uma seletiva. Sempre havia sido eu e meu tio, às vezes, André e até mesmo Hugo, mas ela e Isabela nunca se importaram com meus sonhos de bailarina.

Dei as costas para ela e segui Rosane até a cozinha. Não era mais uma menina frustrada e carente com sua vida, que tentava chamar a atenção de uma tia que não a queria por perto. Nunca a entendi direito e não era agora que passaria a entendê-la, já que seu coração parecia ainda mais fechado do que antes.

Ela também não fez questão de me seguir e talvez não fosse tão ruim assim dividir a casa com ela, já que titio estava internado e Isabela morava com seu noivo do outro lado da cidade. Toledo não tinha hotéis ou pousadas e não havia necessidade de alugar um lugar para mim. Esperava que meu tio se recuperasse e eu pudesse retomar minha vida na Rússia.

- Bailarina! – Sinto um beijo na bochecha e o abusado do André chegando para roubar meu pedaço de cuca.

- Seu tratante! – Me levanto para abraçá-lo. – Como me faz o desaforo de mandar Hugo me buscar e não me avisa?!

- Deixa disso, mulher, que bem sei que você gostou da surpresa! – Pisca para mim, me dando aquela indireta que só ele sabe dar. André sabia que nutri uma paixonite pelo amigo e desde que não passasse disso, para ele estava tudo bem. – Mas ele se comportou? Porque se não te tratou como a princesa que é, chuto as bolas dele. – Reviro os olhos, sabendo que não era para tanto e que um podia implicar com o outro, mas não se separavam.

- Se comportou sim! Embora não me recorde de nada, dormi a viagem toda até aqui. – Minto descaradamente.

- Zuretona, bailarina! – Pergunta se referindo ao Jet Lag. O efeito da diferença entre o fuso horário entre Brasil e Rússia ainda levaria um tempo para não ser sentido pelo meu corpo.

Outra vez o Amor - AMOSTRAOnde as histórias ganham vida. Descobre agora