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2003.

No segundo ano do ensino médio, o meu casulo de proteção estava quase totalmente formado. Eu não falava com quase ninguém. Andava pelos corredores com fones, ouvindo minhas músicas favoritas das bandas de rock'n'roll que mais gostava. O que evitava também que eu escutasse aquelas coisas horrendas ao meu respeito. Eu perambulava como um fantasma em todos os cantos da escola. Só havia um momento no qual eu me soltava, falava bastante e com tranquilidade; nos seminários de história. Tanto que eu sempre tirava as maiores notas e fazer parte do meu grupo era algo bem disputado entre os meus colegas de classe. Ou seja, eles se aproximavam de mim por puro e descarado interesse em obterem notas altas. E eu sabia disso. Achavam que me faziam de idiota, mas os trabalhos tinham que ser apresentados em grupo, não havia escolha para mim, a não ser me juntar a alguns deles.

Algumas vezes eu até esquecia que era um fantasma sem voz naquele lugar e interagia com os outros. Só que eu acabava me ferrando por isso. Como numa das poucas vezes que fiz um comentário sem pensar, logo após uma apresentação de história sobre a Civilização Egípcia, meu grupo tirou a nota máxima, o único 10 entre seis grupos. A professora nem precisou complementar a explicação. O completar era na verdade explicar o que foi apresentado, porque na maioria das vezes ficava meio confuso. Poucos alunos da turma vieram me elogiar.

— Parabéns, Elisa! — Parabenizou uma colega de turma.

— Mandou bem, garota! — Elogiou empolgada outra aluna.

Outros não disseram nada, apenas fizeram sinal de positivo com as mãos. Eu, ingênua, imaginei que as coisas mudariam a partir daquele instante, que eu poderia ser uma adolescente comum. Uma aluna como as outras. Ah! Sério que eu pude imaginar isso? É óbvio que não seria assim. Claro que foi um doce engano. Nada seria fácil assim para mim. Nunca foi.

Eu me sentei com alguns colegas da turma, entre dois bancos de concreto que ficavam de frente para o corredor, da rampa de acesso ao andar superior. Depois desse dia, eu iria descobrir que não é somente viver que é muito perigoso, como repetiu muitas vezes Riobaldo no clássico do Guimarães Rosa, mas que falar  também era muito arriscado. No banco ao lado, alguns garotos discordavam sobre o resultado de um jogo de futebol. As garotas, no outro, conversavam sobre seus ficantes, namorados, e afins. Eu no meio delas deixei escapar o que não deveria.

— Nossa, que garoto lindo! — Comentei a respeito de um aluno que caminhava sozinho pela rampa.

Um moreno alto de olhos verdes rasgados. Eu disse por dizer. Sabe quando você pensa alto? Então... Deveria ter controlado a minha boca e ficado quieta, fazendo apenas comentários mentais comigo mesma. Como sempre fiz. Mas não, fui cometer a burrada de abrir a minha boca, se arrependimento matasse, sim, eu estaria morta. Mortinha.

Alguém que estava sentado ali no grupo ouviu o que eu falei e o meu comentário inocente chegou aos ouvidos do garoto, amplificado e alterado, como se eu tivesse dito: Nossa que carinha gatinho, eu já fiquei com ele!

A Menina do CasuloWhere stories live. Discover now