Introdução

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Your heart knows the way. Run in the direction. – R. Queen

 Era a sua primeira noite no pequeno apartamento, que, em sua mente, era o suficiente para sua baixa estatura e as poucas coisas que havia carregado de Miami para Los Angeles, a cidade dos sonhos. No fundo, o espaço pequeno era uma metáfora para o crescimento que buscava na carreira que havia recém iniciado. "Pequenos passos primeiro", ela dizia para si mesma, empilhando caixas na sala estreita que se emaranhava a cozinha, mentalizando coisas boas. Sua falecida avó dizia que funcionava e ela não queria quebrar a única superstição da família na qual acreditava.

 O camarim era o lugar que ele mais gostava. Silencioso, mal iluminado, deserto... Apenas ele e seus pensamentos, nada mais. A quietude o fazia não escutar as reclamações dos companheiros de banda, dos empresários que iam e vinham... Todos buscando mais: mais de sua voz, mais de suas atitudes e menos, muito menos da vontade que possuía (e realizava, na maioria das vezes) de mandá-los para a merda. E era o que queria gritar, no ápice de sua carreia, da agenda de shows lotada e do terceiro CD de sucesso da Division... Queria a música, mas parecia que, mesmo com milhões em sua conta, não a sentia por completo.

 Ela ainda não confiava absolutamente em Don, após dois anos de pequenos trabalhos por conta própria... Na realidade, não confiava em ninguém naquela cidade, mas acreditava em primeiras chances e ele havia conseguido a dele, após esbarrar com ela em um dos corredores amontoados de uma emissora de TV pequena. Prometeu à jovem atriz um papel mais importante do que aquele pelo qual havia enfrentado uma fila gigantesca de atrizes com os mesmos corpos, rostos e expressões vazias. Ela havia acreditado, claro... E ele conseguiu. Um mês depois e lá estava ela, seu sorriso na TV e o destino trilhando seu caminho.

 Aquele era o último show. O último CD. A última canção. E o último par de holofotes o iluminando, enquanto entoava o maior sucesso de sua banda. O peso estava em seus ombros, algo que acreditava desaparecer no momento em que havia aceitado o fim... Mas estava lá, desde o momento em que pisou no palco e deu as costas à multidão, poucas horas depois. Era melancólico, como tudo em sua vida havia sido... O início em comerciais de TV duvidosos e em filmes dos anos noventa, até decidir que nunca mais pisaria em um estúdio na vida. Mas, além da melancolia e de seu pessimismo, ele sempre enganava a si mesmo.

 Mais uma fila de mesmos rostos e corpos, ela ainda tentava, exausta, o caderno cintilante nas mãos, sempre escrevendo em seu tempo livre. Don estava ao seu lado, inseparável, sonolento, mas certo de que dessa vez daria certo após quase dois anos de novas tentativas. Seu nome havia sido chamado, ecoando pelo corredor bem iluminado, assim como seu sorriso. Ao entrar naquele pequeno estúdio para o teste, ela não precisava de resposta alguma para o que estava por vir. Ela sabia. Simplesmente sabia.

 A ligação veio cedo, ele estava emaranhado em sua cama e o irmão gritava demais ao telefone. Até assimilar as palavras, já estava de pé, perdido em um canto do quarto espaçoso, percebendo no que havia se metido: voltar à TV. Isak ainda falava alto, enquanto ele encarava a vista privilegiada de seu quarto, as janelas expostas revelando uma Los Angeles ensolarada. Silenciou o irmão ao que sentiu: o peso em seus ombros finalmente estava desaparecendo.

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