Capítulo 38 - Em todo lugar

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Eu encarei a caixa de ritrovil da minha mãe, aquela que ela guarda no armário do banheiro, e imaginei se não seria uma boa ideia tomar um comprimido para aguentar o dia

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Eu encarei a caixa de ritrovil da minha mãe, aquela que ela guarda no armário do banheiro, e imaginei se não seria uma boa ideia tomar um comprimido para aguentar o dia. Ideia cretina, é claro. Não tenho receita, nunca precisei.

O dia de trabalho foi tranquilo, o que era ruim. Sem muito o que fazer, tinha tempo para lembrar do conflito da noite anterior, onde Lucas bateu na porta da minha casa, com hálito de álcool e sugeriu coisas horríveis. No meio da ira, joguei um vaso de flores na sua cabeça, mas me arrependi assim que vi o sangue escorrer.

Todo o ocorrido me fez considerar que a ideia de aceitar Lucas de volta na minha vida tinha sido uma ideia estúpida, mas não pensei em impedir que visitasse Ick de tempos em tempos. Só precisava encontrar uma maneira de garantir a segurança do meu filho tendo o menor contato possível com o seu pai. Se possível, contato algum.

Imaginei o que o meu amigo, que tem o mesmo nome do meu filho, pensaria de mim se soubesse que dei uma segunda chance ao homem com o qual ele lutou tanto para me proteger. Senti remorso ao notar o quanto da minha vida escondo dele e o quão pouco sei do que está acontecendo desde que se mudou para a capital.

Algo muito estranho aconteceu quando fui buscar Ícaro na creche.

Uma das "atendentes de educação" (nomes que usam para as professoras de creche) sempre foi meio esquisita e absurdamente irritante. Só para começo de conversa, ela me chama de "mãe" e suas variações. Incluindo "mãezinha" e "mamãe". Querida, eu sou mãe do garoto que você cuida e não a sua

mãe. Outra coisa que me irrita na atendente de educação (que não é a minha filha) é a sua condescendência. Ela, mesmo sendo poucos anos mais velha do que eu, sempre arruma maneira de tentar me ensinar sobre como educar o meu próprio filho. A superioridade com que ensaia um discurso sobre qualquer aspecto da maternidade me obrigada a cortá-la sempre que começa a falar. Como ama falar, sinto que ela me odeia tanto quanto a odeio.

Ainda assim, o que ela fez naquela tarde foi absurdamente estranho.

Quando fui buscar Ick, ao invés de simplesmente pegar a criança e me entregar como faz todos os dias, ela disse:

— Mãezinha, você já ouviu sobre o conceito de lar feliz?

Não tinha a menor paciência para aquilo.

— Imagino que seja um lar... que também é feliz.

— Exatamente! — sorriu falsamente. — Um lar feliz é de extrema importância para o crescimento de uma criança saudável ee... — ela pediu a frase no meio esperando que eu a terminasse.

— E... feliz? — tentei.

— Isso! Que bom que você entendeu!

Só então depois do diálogo bizarro que ela foi buscar o menino, olhou bem nos olhos dele e perguntou:

— Você quer voltar com a sua mãe, Ick?

Silêncio. Ela olhava para Ick, o meu filho olhava para mim e eu só sabia olhar para o relógio e notar o tempo que estava perdendo:

— Você meio que sabe que o Ícaro ainda não fala, né?

A moça me encarou como se estivesse de frente a uma completa idiota:

— Ele ainda não fala com a voz, mas fala com o corpo.

— Com o corpo, entendo... Tipo libras?

Fechado a cara, a moça finalmente me entregou meu filho e me liberou do inferno sem tentar me explicar o que acabou de acontecer.

Parece que encontrar pessoas aleatórias me esperando na porta de casa é algo comum na minha rotina. Quem estava lá dessa vez era Emily, usando uma jaqueta de couro preta e parecendo aflita:

— Jéssica! — Ela exclamou assim que me viu. — Eu corri para cá assim que fiquei sabendo. Saiba que eu te apoio e vou te ajudar no que você precisar! Você disse que somos amigos e eu sei que amigas fazem isso de apoiar umas as outras e por isso eu vim e...

— Emily, respira um pouco — interrompi. — Do que você está falando?

Ela estreitou os olhos, parecendo confusa.

— Você ainda não viu? Está em todo lugar!

— O que está em todo lugar?

Emily me estendeu o seu celular:

— O pai do seu filho postou sobre você no Instagram e Facebook.

***

Nota do autor

Estou com sono.

Beijos

Felipe Sali

Felipe Sali

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JÉSSICA - MÃE AOS DEZESSETE (HISTÓRIA COMPLETA)Where stories live. Discover now