Capítulo 1 - UAI

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Já eram seis em ponto da manhã, os pássaros cantavam, a luz baixa do sol chegava até o lençol branco que me cobria, e o som das árvores, balançando, ecoava sobre a janela do meu quarto, o som era divinal. Sinto que devo agradecer pela oportunidade de ser feliz e viver intensamente esse novo dia.
Se hoje será um dia feliz, não sei. Mas sei que minha mãe grita à porta, bate forte, com pancadas seguidas sobre esta, que quebram aquele momento sensível de minha imaginação. Parece que o nome "Anna" é doce em seus lábios. Sim, este é meu nome. Mais precisamente Antonietta Meo Filzen, porém me chame de Anna somente, não sei onde - em qual mundo - minha mãe estava ao me registrar com esse "belíssimo" nome. Levanto-me e vou até a porta, abro-a. Logo vejo alguém muito especial que nos momentos mais difíceis da minha vida estava ali ao meu lado, fazendo carinho, cochichando ao meu ouvido, fazendo cócegas, e as vezes tenho a plena certeza que sempre queria me dizer algo, mas demonstrava com gestos de carinho. E esse alguém era Sísifo, meu lindo hamster branco com algumas pintas beges, que as vezes pareciam manchas de mostarda, mas não eram. Mamãe e Sisífo são pessoas maravilhosas. Não devemos deixar de agradecer todos os dias pelas pessoas que nos rodeiam, pois elas fazem a vida ser espetacular.
No caminho até a cozinha - descendo as escadas, já que meu quarto fica no andar de cima - sinto a diferença no meu olfato, pois não sei se ele está funcionando além do normal ou se são as tulipas de minha mãe exalando de forma absurda a casa, mas a segunda opção é mais favorável, tendo em vista que as paredes são preenchidas por vasos que ficam pendurados com um contingente significativo de tulipas, que logo chamam a atenção de quem por ali trafega. Entretanto, particularmente, a tulipa "Black Horse" me chama mais atenção, isto, talvez deve-se ao fato de que ela sempre fica sozinha, mas não sei o porquê. Acredito que seja pelo mesmo motivo que meu papai Thomas se separou de minha mãe, e por isso ela ficava sozinha, chorava pelos cantos, ficou verdadeiramente "escura" que nem Horse, mas eu entendo, devemos dá um pouco de privacidade a nossa querida Tulipa Horse.
As tulipas eram lindas, mas eu tinha que ter mais cautela quanto ao horário para não me atrasar no meu primeiro dia de aula no Colégio Saint'Dear, que acaba de dar fim as minhas férias amadas.
Minha mãe, Sra. Joana Filzen, estava pronta para me levar a escola. Esta, sempre chama atenção por sua beleza e seu modo de vestir-se. O vestido estampado com tulipas combina muito bem com seus olhos azuis e cabelos loiros, isso a torna minha "Tulifã" preferida - chamo-a assim por causa da obsessão por tulipas. Somos muito parecidas, porém, ela é bem mais vaidosa que eu.
Saímos da Rua W. Temple, a rua da minha casa, e vamos rumo a minha escola querida. Vou vestida com minha roupa preferida, que ganhei do meu pai: Chuck Taylors, calça jeans escura e uma camiseta de malha azul-claro. Minha mochila é alaranjada, pois é a minha cor preferida, e sobre ela está estampada a minha banda de rock preferida, "The Freed Men".
Chego as 7:30 h no Colégio Saint'Dear. Não suporto ter que voltar pra rotina, depois de 45 dias sem aula, mas infelizmente estou aqui. Os meus colegas me olham de forma estranha, talvez seja pelo meu jeito, talvez, proporcionado pela minha timidez.
A professora que estava na sala, era a professora de Cidadania, a Sra. Mary Lattes. Uma senhora chata, com idade superior a 40 anos, que estava trajando um vestido azul, mangas compridas, gola alta, calçando uma sapatilha preta, tudo muito requintado.
Ela olhou em minha direção e assentiu para que eu começasse a me apresentar, pois foi o modelo de socialização que escolhera para aquela aula - achei imbecíl, pois já não estamos mais no fundamental -, sendo assim, comecei meu discurso. Meu nome é Anna Filzen, tenho 15 anos de idade, moro com minha mãe Joana, pois há alguns meses atrás meus pais se divorciaram. Gosto muito de uma banda chamada "The Freen Men". As vezes sou arrogante, mas já considero normal. Não queria voltar a estudar tão cedo, visto que essa escola é um terror. Essa sou eu. A professora sorriu forçadamente, e deu continuidade. Logo após, observo o aluno novato se apresentar. Ele fala olhando em minha direção, parece ter algo que o impressionou. Dave. Dave Jhordan é seu nome. 16 anos. Natural da cidade vizinha. É exigente. Bonito. Parece aqueles jogadores famosos da Seleção de Basquete. Lembra um pouco o meu ex-ficante. Vamos falar dele. O qual fazem 5 meses que não ficamos, por causa de seu jeito bambambã, o que não suporto. Odeio garotos que só pelo fato que são bonitos e atraentes, deixam esse ideal subir para a cabeça, e se tornam arrogantes e insuportáveis. Porém, essa 'pinta' acabou quando idealizei um belo fim para Brayan Lason - Seu nome -. Após o Baile Anual da Primavera, fomos até a casa de Brayan, este estava com intuito cafajeste, contudo, sendo mais esperta, esperei-o tirar sua roupa, e despido, para tentar me seduzir. Foi então, que pedir para tirar uma foto para recordação. E tirei. No outro dia, na escola, espalhei a foto de meu "querido ficante" por toda a escola, porém, isso não foi o mais vergonhoso, mas sim o "amiguinho lá de baixo", que é tão pequeno quanto uma tampa de caneta. Até hoje, Brayan é apelidado. E não me culpo por isso.
A cada vez mais, venho convencendo-me que namorar não é uma boa alternativa para uma pessoa tão insensível, quanto eu. Acredito que, talvez, nunca mais irei me dispor a isso.
Enquanto pensava e viajava em minhas lembranças, Dave acabara de terminar seu discurso. E fico atenta aos outros discursos. Após o término da última aluna, fomos comunicados da leitura obrigatória para o ano. O nome do livro era "O Segredo da Alvorada", do escritor Philip Pitter. Ler não é muito favorável para mim. Nunca li um livro todo. Prefiro escutar músicas, dormir e comer. Entretanto, infelizmente vou ter que lê-lo para ganhar a pontuação do bimestre.
Fiquei pensando sobre o livro - especificamente sobre o nome -, este intrigava-me a saber qual era o segredo da alvorada. Do que se tratava. Este foi o primeiro livro que eu demonstro interesse, sinto que deve ser pelo seu ar misterioso. Após a leitura da sinopse, feita pela professora, preparo-me para saber o final do livro, e sem medir esforços levanto a mão, todos olham para mim, apesar de ficar vermelha, limpo a garganta e pergunto à professora:
- Sra., o personagem do livro ... é ... Morre no final? Pergunto ansiosa pela resposta, certa que ele morre, mas aguardo atentamente.
- Srta. Filzen, é desnecessário sabermos o final de uma história sem vivê-la, sem entrarmos no mundo imaginário, pois a leitura nos leva para uma outra dimensão, e a cada vez que lemos uma página de um livro, ele nos prende neste mundo mágico. - Disse a professora Mary, e continuou ainda - Não basta só ler por ler, tem que viver a história, pois quando passamos por este processo, mesmo que tenha o termo "FIM" na última página do livro, o que vale é quando a história deixa de ser uma ficção e chega até o grande espetáculo que é a vida. Sei que você consegue atingir esse ideal.
Ainda pensava nas palavras da Sra. Mary e percebi o quanto eram puramente verdadeiras. Apesar de acha-la uma pessoa chata, admiro-a pelo seu potencial como educadora, leitora. Após tocar a campainha da escola, a Sra. Mary pediu para que eu ficasse alguns minutinhos, pois queria conversar algo comigo, não sei o que era, mas fiquei um pouco preocupada, talvez fosse até o meu comportamento ou coisa do tipo. Mas antes que se prolongasse o conflito de hipóteses em minha cabeça, ela chamou-me para sentar perto da mesa dela, que continha alguns materiais de natureza escolar. No mesmo instante, fiz o que ela pedira. E foi logo falando, num tom baixo, um pouquinho triste, sua feição desabou, seu rosto parece se desfez da Sra. Mary que conheci a horas atrás: - Srta Filzen, fiquei pensando em sua apresentação, você disse que seus pais se divorciaram, certo? - Acenei afirmativamente e ela continuou falando em tom baixo - É porque meu esposo foi embora de casa há alguns dias, nos separamos, você não sabe o quanto é doloroso uma separação, além de afetar os cônjuges, afeta os filhos. - E a professora começou a chorar. Em meio aquele cenário triste, doloroso, perguntei: - Você tem filhos? - Sim, tenho uma filha de 11 anos que está na casa da avó passando um tempo lá até eu me estabilizar, disse a ela que a Mamãe queria muito que ela fosse para lá, mas menti. Não sei como vou dizer a ela ... Que ... ela não tem mais um pai presente, que ele se foi e nos deixou. Você não sabe o quanto ela vai ficar triste, depressiva. Temo até um isolamento. - Disse a Sra. Mary em soluçando. - Professora, não gosto de falar disso, mas vamos ao que interessa. Meus pais se separaram por causa de brigas familiares, não estavam mais felizes juntos. No início fiquei triste, porém depois percebi que separados eles viveriam uma vida melhor e mais feliz. Não se preocupe, deixe bem claro para a sua filha que foi o melhor para todos. Tenho certeza que ela vai entender, mas não posso descartar a possibilidade de um choque emocional, mas logo passa. - Digo seguramente. - Muito obrigada querida, suas palavras me confortaram, tenho certeza que a Fernanda irá entender. Seu conselho foi maravilhoso, inicialmente meu objetivo era somente desabafar, mas já me sinto melhor. Você já pode ir se quiser, e peço-lhe segredo sobre isto. - Disse a senhora mais calma, enxugando as lágrimas com um pequeno lenço de papel. - De nada professora. Minha mãe disse que em determinados casos, uma palavra de conforto vale mais que um milhão de palavras vãs, não acredito muito nisso, mas foi preciso agora. Não se preocupe, vou ficar em silêncio sobre isto. Espero que dê tudo certo, mas agora tenho que ir, minha mãe já deve estar lá na portaria. Até amanhã. - Digo com um tom motivador.
Saí da sala e fui em direção a porta, assim pegaria o corredor em direção a direita. Veio a lembrança da época em que meus pais se separaram - este momento marcou muito a minha vida, acho que isso me tornou essa adolescente bruta, mas com um pingo de sentimento - porém, logo esvaiu de meus pensamentos. Continuei minha caminhada até o portão, sobre um corredor quase deserto a não ser por um grupo de alunos do colégio, entretanto não parei a caminhada. Ao chegar ao portão, ao invés de sair, fiquei observando do lado de dentro da escola uma cena que deixou-me extremamente preocupada. Após uma conversa daquelas com a professora, vejo aquilo. Meu coração quase parou. Não sei o que fazer.

Uma Aflição ImperialOnde as histórias ganham vida. Descobre agora