Corte de Gelo e Escuridão - FINALIZADA

Prólogo

A neve rodopiava do lado de fora da grande varanda, e por mais frio que estivesse, Viviane ainda estava parada ali fora, observando a paisagem e aguardando. Pelo que havia sido combinado, muito em breve os convidados estariam chegando. Convidados! Ela mal acreditava que enfim haveria novas pessoas em seu lar. Por mais que tivesse cuidado da Corte Invernal com seu coração e todas as suas forças enquanto Kallias esteve... fora, ainda assim era maravilhoso saber que suas portas estavam sendo abertas depois de tanto tempo. Ah, não havia sido fácil convenser seu Grão Senhor, principalmente levando em conta quem estava vindo, mas ali estava ela, com um sorriso sincero e animado no rosto, as mãos enluvadas firmemente enterradas nos bolsos do sobretudo felpudo que estava usando pra se aquecer. Estava ali quietinha, quase conseguindo ouvir o som da neve se assentando no chão quando braços fortes envolveram sua cintura.
- Você sabe que não precisa ficar aqui fora esperando, não é? Alguém nos avisará quando eles chegarem. - A voz profunda de Kallias lhe disse ao ouvido, quando ele apoiou o queixo em seu ombro ao abraçá-la por trás.
- Sim. Mas eu... quero. - Ela então se virou em seus braços, sem quebrar o abraço e o olhou no olhos. - Você não faz ideia do quanto eu estou feliz por isso. - Esticando-se, ela tocou brevemente os lábios nos dele. Vendo sua boca se curvar ligeiramente num sorriso e uma sobrancha branca se erguer, ela suspirou e continuou. - Eu... gosto deles. Dela principalmente. Eu não sei explicar, eu só sinto que é certo que sejamos amigos.
Kallias ficou em silêncio por um momento, e por fim concordou com um aceno.
- Eu entendo. Eu não me esqueci do que aconteceu, mas já não consigo odiá-lo. Não depois de ver tudo que ele fez, tudo que estava disposto a perder. - Engoliu em seco e pausou mais uma vez. Viviane se manteve calada, dando-lhe tempo para organizar os pensamentos. - Rhysand não é mau. Ele de fato não é.
Foi a vez dela de balançar a cabeça.
- Não. Ele não é. E Feyre...
Ela deixou a frase morrer e deu um breve sorriso. Ele bufou e fez um meneio com a cabeça. Ambos riram de leve.
- Eu quero que ela seja minha amiga. Quero que nossas cortes sejam amigas. Não consegui me manter sentada lá dentro com essa perspectiva.
- Eu sei. Eu também quero essa amizade. - Ele então a puxou mais para perto e lhe deu um beijo mais longo, que fez que suas faces brancas corassem um pouco. Quando separou os lábios, manteve as testas unidas ao dizer baixinho. - Chega de isolamento.
Estavam assim quando um movimento na paisagem os fez prestar atenção. Duas figuras se aproximavam, seguindo um guarda que servia obviamente de escolta. Ambos estavam pesadamente agasalhados, com longas capas de peles com capuz, lhe ocultando os rostos. Só era possível distinguir qual é qual pela diferença na estatura. O braço do Grão Senhor da Corte Noturna estava ao redor dos ombros de sua parceira, que parecia parcialmente abraçada a seu tronco. Compreensível, já que o frio da Corte Invernal não poderia ser comparado nem com o auge do inverno nas outras cortes.
Viviane desceu os degraus e se adiantou, e a figura menor se desvencilhou e fez o mesmo. Ambas se abraçaram.
- Bem vinda. - Disse, um sorriso em sua voz.
- Só vou agradecer quando nos deixar entrar pra nos aquecermos. - Feyre disse de forma divertida. Seu humor sempre agradou Viviane, e no último ano, nas poucas vezes em que se encontraram, ela se viu relaxando e se sentindo muito confortavel perto da outra fêmea. Foi um dos motivos que a levou a insistir que Kallias os convidasse para passar a noite do solstício de inverno com eles. Se havia uma comemoração que poderia aproximar ambas as cortes era a noite mais longa do ano, o dia mais frio do inverno.
Ouviu o som dos cumprimentos masculinos entre seu companheiro e o Grão Senhor da Corte Noturna enquanto se virava e começava a guiar Feyre para a entrada da grande casa.
Rhysand fez uma mesura para ela, em forma de cumprimento, com um belo sorriso no rosto. Mais uma vez pegou-se ficando admirada com a beleza dele. Embora preferisse a palidez e claridade de seu Kallias, não podia negar estar olhando para um macho de aparência formidável. Era pena que isso nem sempre fosse um trunfo para ele. Pelo que havia ficado sabendo, seu tempo sob a montanha foi muito mais desagradável por causa disso. Imaginava como seria ter que se submeter intimamente a alguém para proteger os seus, e seu respeito por ele cresceu.
- Venham então. Tenho um vinho aquecido com especiarias ideal para aquecê-los.
- Vinho aquecido, é? - Feyre pareceu se animar, o que fez com que todos rissem.

***

Era madrugada já, e a maioria dos convidados do banquete já havia ido embora para descansar ou para continuar suas comemorações em particular. Em algum momento mais cedo Rhys havia deixado escapar que era aniversário de Feyre e ela havia ficado surpresa e decepcionada por não ter sabido antes, para poder conseguir um bom presente para lhe dar.
- Não se preocupe, todos os ano Rhys me dá tantos presentes que eles cobrem a família toda. - Sua voz estava ligeiramente arrastada, o que Viviane acho hilário.
- Você esta com voz de bêbada. - Disse rindo.
Feyre lhe lançou um olhar muito sério e disse: - Você também. - E então as duas caíram na risada.
Kallias e Rhys ergueram seus olhos do jogo de tabuleiro que estavam olhando e depois de um ar divertido e uma balançada de cabeça, voltaram a se concentrar. Os machos ao redor pareciam entretidos assistindo.
- Os homens às veses são iguais a meninos. - Ela comentou.
A outra mulher balançou a cabeça concordando.
- Mas eles parecem estar se dando bem. - Embora claramente meio bêbada, ela ainda parecia manter uma boa dose de dicernimento.
- Espero que as coisas continuem assim...
- Eu também. Me mata que ainda haja quem pense nele como antes. - Feyre disse baixinho, soltando um suspiro.
A loira olhou a amiga por um tempo,então se levantou e foi até o sofá onde ela estava sentada. Passou um braço ao redor dela e disse.
- Ele tem um coração maravilhoso. Com o tempo todos se darão conta disso.
Feyre ficou pensativa por um longo momento, então tomou mais um gole de seu vinho e disse.
- Estou feliz por estar aqui. Estou feliz por chamá-la de minha amiga. - Pousou a cabeça no ombro de Viviane então. Esta sentiu seu coração inchar de felicidade. Sim! Era exatamente isso.
- Espero que isso dure. Espero que sejamos amigas por muitos séculos. Espero que os filhos que eu tiver e os filhos que você tiver sejam amigos. Espero que ainda tenhamos uma grande festividade conjunta entre as Cortes Noturna e Invernal para comemorar o solstício. - Ela disse apaixonadamente, os olhos brilhantes e a língua se enrolando em algumas palavras.
A outra balançou a cabeça em concordância.
- Já imaginou nossas crianças brincando juntas? Fazendo bonecos de neve e rindo? - Um sorriso sonhador surgiu em seu rosto. Olhou para seu parceiro e disse baixinho: Brincando de guerra de bolas de neve...
Deram-se as mãos por um momento, enquanto bebiam mais de seu vinho.
Feyre havia tirado as luvas fazia algum tempo e agora Viviane olhava as tatuagens curiosas que ela tinha ali.
- São lindas. Tão diferentes. Soube que na sua corte os acordos são feitos assim. O que elas significam? - Perguntou, enquanto traçava as espirais azuis escuras com a ponta dos dedos.
A Gran Senhora se endireitou um pouco e olhou para as duas mãos. Então ergueu a mão direita e disse:
- Esta aqui representa a minha união com Rhys. Foi quando ele me nomeou sua grande senhora e sua igual na Corte Noturna. E quando eu jurei que protegeria e amaria o povo dele como meu. - Seu tom de voz era absorto e elas sequer perceberam que Rhys e Kallias haviam terminado seu jogo e agora prestavam atenção na conversa das duas. Ela ergueu a mão esquerda e a pousou sobre o coração. - E esta aqui foi depois... - Fez então uma pausa e fechou os olhos. Viviane percebeu que Rhys deu um passo para se aproximar dela, mas Kallias pousou a mão em seu ombro e mostrou que as duas estavam bem. Ele exalou e relaxou um pouco então. Sua parceira continuou. - Nós juramos não deixar um ao outro. Não fazer com que um fique sem o outro. - Ela olhou para a outra e disse. - Quando o momento chegar, seja para mim ou para ele, atravessaremos para Summerland juntos.
Viviane arregalou os olhos diante disso e engoliu em seco. Tanto amor assim! Era um juramento de que se um morresse o outro morreria também.
Ficou quieta pensando e então tomou uma decisão. Provavelmente ela não faria isso se estivesse sóbria, e se não tivesse acabado de ouvir isso. Mas...
- Vamos fazer um acordo. - Isso chamou a atenção de Feyre. - Vamos concordar que nada se interponha nessa amizade. Que daremos nosso melhor para manter as boas graças em nossas cortes. Que sempre seremos leais.
Feyre pestanejou, depois balançou a cabeça lentamente.
- E vamos fazer com que nossas crianças também possam ser amigas. Que convivam, que se conheçam e que tenham a oportunidade de perpetuar essa paz entre nós.
- Sim. Se você concordar, eu receberei seu primeiro filho ou filha aqui na minha corte pelo período de um mês a cada ano, e o tratarei como se fosse meu. E então o meu primeiro filho ou filha também irá para a sua corte por um mês no ano.
- E eu o cuidarei, verei crescer e o amarei como se fosse meu. - Feyre completou e se curvou para frente, dando um grande abraço em Viviane.
Rhysand e Kallias pareciam surpresos e sem saber muito bem como agir. Mas não interferiram. E quando as duas se afastaram, uma linda tatuagem de flocos de neve prateados em formato de estrelas ornamentavam o ombro esquerdo como uma cascata de cada uma delas. O acordo estava selado.