Vida Que Segue

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- Eu não acredito que você realmente vai fazer isso comigo, Kath! Não me conformo! - Ralhou Annie enquanto analisava mais uma pasta com registros de matrícula.

- Annie, para com esse drama todo! - Katherine também analisava uma pasta e já estava irritada com aquele falatório da amiga. - Eu vou me mudar, acabou! Não suporto mais ficar, meu tempo aqui já deu. 

- Mas você precisa ir para outro continente? Não pode ficar aqui na América do Norte? Que tal o Canadá? Sei que você sempre quis conhecer o Canadá!

- Eu não vou para o Canadá, Annie! - Suspirou cansada.

- E o México, então? Já que quer mudar de continente, fique na América Central. Moro bem perto da fronteira, fica mais fácil para nos encontrarmos.

- Annie, eu não falo espanhol...

- Mas também não fala português! - Interrompeu a amiga com um berro que a assustou - Que droga! Não acredito que você está me abandonando dessa forma tão cruel!

- Cruel seria se eu simplesmente fosse embora e excluísse você e Jonah da minha vida! Vocês dois são as únicas pessoas importantes para mim no momento, não consigo imaginar minha existência sem vocês. Mas isso é algo que definitivamente eu preciso fazer. Aqui! Achei o registro de Adrian Lopez, finalmente! E sim, eu falo português.

- Ah, graças ao universo, não aguentava mais procurar a ficha desse menino! A mãe dizia que tinha matriculado ele no acampamento, o pai dizia que não tinha. Estava confusa! - Annie sorriu. Katherine amava aquele sorriso, ela sempre dizia que a garota tinha um sorriso que lhe transmitia uma vibe boa. - Bom, agora estamos prontas. Vamos para a sala de reuniões, Jonah já está reunido com o pessoal para as apresentações e orientações gerais. E você não fala português, não, você só não vai morrer de fome por lá.

Katherine não teve muitas oportunidades na vida. Crescida em uma família de classe baixa, sempre precisou conquistar as coisas do modo mais difícil, pois a vida não facilitava para ela. Aos treze anos perdeu o pai e a irmã caçula. Elas estudavam no mesmo colégio público onde ele era diretor e em determinada manhã, Katherine acordou se sentindo mal, e como era uma ótima aluna e nunca faltava, seu pai autorizou que ela ficasse em casa e se recuperasse. O colégio não era lá essas coisas, era uma instalação precária, e uma falha na fiação causou um incêndio que se alastrou e tirou a vida de muita gente, inclusive do diretor tão amado pela comunidade e de sua filhinha. Katherine e a mãe então se mudaram de bairro, e a garota começou a trabalhar cuidando de algumas crianças, e desenvolveu um amor pelos pequenos, tendo a certeza que essa seria a profissão perfeita. Estudou muito, se dedicou, sofreu bullying por ser uma aluna dedicada, conseguiu uma bolsa para entrar no curso profissionalizante de informática e técnicas administrativas enquanto simultaneamente fazia um curso básico gratuito para dar aulas. Aos 17 anos passou em um processo seletivo e conseguiu um trabalho em um acampamento de verão. Por suas habilidades com os pequenos, chamou a atenção do jovem casal que administrava o acampamento, Annelise e Jonah. Tornaram-se bons amigos, e ao final das férias, já firmaram contrato para que ela estivesse com eles no próximo verão.

Conseguiu se formar com boas notas no ensino médio e no profissionalizante, mas após um ano sem conseguir um emprego para pagar seus estudos, foi tentar a sorte em outro estado trabalhando com vendas, o que definitivamente não era sua praia. Ela não via a hora de chegar o verão para estar junto com suas crianças. Por mais que trabalhasse duro, Katherine não via frutos de seus esforços, e começou a pensar que realmente não havia um futuro em uma escola para ela, ao que tudo indicava ela viveria daquela maneira para sempre. Não queria mais ficar indo para vários lugares com sua equipe de vendas, por mais que fosse maravilhoso conhecer tantos lugares, financeiramente dizendo, não compensava. Estabilizou-se em uma pequena cidade onde conseguiu estudar por um semestre, mas, a faculdade era cara demais, e ela não ganhava o suficiente para se sustentar e estudar, e precisou trancar a matrícula por tempo indeterminado. Trabalhava fazendo faxina nas casas dos funcionários da universidade e não tinha vergonha disso, pagava seu aluguel, se sustentava e conseguia viver uma vidinha simples e do jeitinho que gostava, só que uma coisa a incomodava: estava vendo a vida passando, escorrendo por seus dedos e não conseguia segurar nada, não conseguia ir para a frente. Aos 23 anos arrumou um namorado;  gostava demais dele, mas, após um ano ele simplesmente a largou alegando estar apaixonado por outra. Respeitou a decisão do rapaz, amaldiçoou até a quarta geração dele, porém, agradeceu por sua lealdade, afinal, ele poderia ter simplesmente colocado um par de chifres nela. Decidiu que apesar de ele ter sido um otário, poderia ter nele um amigo. Falando em amigos, nesse meio tempo, seu então melhor amigo decidiu que tinha outros amigos melhores que ela, e agora, se sentia só e desolada. Tinha 25 anos, seus amigos estavam se formando, trabalhando em suas áreas construindo uma vida, formando famílias  e ela estava lá, estagnada. Foi quando veio mais um golpe, o mais duro de todos: a perda de sua mãe. Sem chão, começou a pensar na possibilidade de tirar a própria vida, mas, sempre abominou os suicidas os chamando de covardes, como pensar nisso agora? O que ela pensava sobre si mesma? Ela poderia se achar feia, inútil e um desperdício de espaço, mas, não era fraca, não mesmo. E agora não tinha nada a perder.  Então  decidiu dar um basta e recomeçar.

A mãe dela era uma enfermeira muito bem vista na pequena cidade onde moravam, todos gostavam dela. Quando Katherine tinha mais ou menos 14 anos, uma médica brasileira do programa Sem Fronteiras se hospedou na casa delas durante um ano. Tia Sandra, como era chamada carinhosamente pela menina, ensinou um pouco de português - língua que a deixava maravilhada - para as duas, e a garota realmente se sentia segura em conversar em uma língua que não fosse a sua com a tia postiça. Tia Sandra voltou para o Brasil, mas, nunca deixou de falar com as mulheres da família Mapother. Uma semana após o falecimento de sua mãe, a moça entrou em contato com tia Sandra dizendo que queria mudar de vida e pediu um conselho. Tia Sandra disse que se ela quisesse realmente uma grande mudança em sua vida, deveria começar se mudando de cidade. De país. De continente. E sugeriu então a mudança da americana para o país tropical. Após horas de conversa, estava decidido: Katherine daria entrada em sua documentação e se mudaria para o Brasil, um país acolhedor e colorido, cheio de gente bonita e calorosa. Ela teve quase um ano para resolver tudo, já tinha combinado com a tia que se mudaria no início do outono, pois, queria se despedir de seus amigos do trabalho de verão e das crianças também, e queria chegar com algum dinheiro no bolso. Annie e Jonah ficaram surpresos com a decisão de Katherine, ela era a alegria da criançada, e já estava no acampamento há tanto tempo que não conseguiam se imaginar sem ela, mas, a moça prometeu que daria 110% de si para que aquele verão fosse o melhor de todos.


Amor Pra RecomeçarOnde histórias criam vida. Descubra agora