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A janela ficava em um recuo na parede leste do corredor. Ali havia um banco longo de pedra, delimitado por duas colunas. Com as costas apoiadas em uma delas estava Gregório, sentado, observando a noite sobre os prados. A cabeça latejava, revisitando as palavras do irmão, repetidas de novo e de novo sem parar há mais de um dia, sem saber o que fazer com elas.

Seria tudo um delírio? Mas se fosse, por que sua mente jogava contra sua vontade? E se não fosse, ele conseguiria ir adiante? Atender o desejo do irmão seria um gesto nobre ou um sacrifício mal interpretado?

Gregório expirou pesado e fechou os olhos. Ele tinha medo. Não por ser descoberto, ou pelo castigo que poderiam lhe dar; muito menos por que poderia ser caçado. Ele tinha medo de se perder, medo de que uma parte de sua humanidade fosse embora junto com Lionel. Mas a pergunta que mais o amedrontava, a mesma que ele evitava se fazer há meses, era o quanto dessa humanidade já estava morta. Talvez os Professores estivessem certos: somente uma mente doentia sucumbe às artes proibidas. E a mente de Gregório estava longe de ser saudável.

Ele ouviu alguém se aproximar, mas não deu bola. Sentiu um toque no ombro e só então tirou os olhos da escuridão. Era Pauline.

— Estava te procurando. — Ela se inclinou e beijou sua testa. — Damarca disse que você faltou a aula noturna. — Então ela sentou e apoiou as costas na coluna oposta forçando-o a recuar as pernas.

— É, parece que continuo me sabotando. — Deu um sorriso torto, distante. Mas essa não era a resposta que ela queria, ele pode ler em seus olhos. Por que é que tudo o que ele fazia os afastavam ainda mais? — Desculpa, eu não quero isso. Eu... eu só não consigo fingir que as coisas estão bem.

— Então não finja. — Ela deu de ombros. — Só saiba que eu estou aqui do seu lado.

O maxilar enrijeceu e Gregório fechou o punho. Lionel é quem devia estar ali em seu lugar, ao lado de Pauline.

— Você se lembra de quando Lionel partiu? — disse a irmã encarando o céu escuro; nos lábios, um sorriso contido. — Se lembra daquela noite?

Ele a ouviu respirando, os olhos erguidos para além da janela, provavelmente imersos no passado. Lionel costumava dizer que ela tinha os olhos da mãe e o sorriso do pai. Gregório nunca soube se ele fazia jus às lembranças que tinha ou se só dizia aquilo porque a fazia se sentir bem.

— Então? Você lembra? — Pauline havia voltado a olhar para Gregório. — Lembra de como eu fiquei em prantos? Lembra do que você me disse?

— Tínhamos só oito anos... isso... isso não importa mais.

— Você disse que tudo ia ficar bem, que mesmo se Lionel não voltasse, você ainda estaria ali comigo. Disse que nada nem ninguém poderia nos separar. E aí ficou sentado do meu lado enquanto eu dormia, me fazendo cafuné.

— Você precisava acreditar que alguém era capaz de te confortar como Lionel faria se estivesse ali. Foi só isso.

— Não, Greg. Naquela noite eu me sentia perdida, da mesma forma que me senti quando nossos pais se foram... E quando se está perdido, fica difícil enxergar o que ainda temos, ao que ainda devemos ser gratos. E aí você me lembrou que ainda estava ali... e eu precisava exatamente disso, precisava acreditar que você ficaria, que não tentaria nenhuma loucura; acreditar que nem tudo estava perdido.

Então ela se virou, apoiando as costas na parede e colocando os pés no chão; uma das mãos acariciou o joelho de Gregório.

— Agora sou eu que estou dizendo: nem tudo está perdido. É claro que eu sinto falta de Lionel e é claro que eu ainda tenho esperança de que ele saia dessa. Mas não posso deixar que isso me faça esquecer do que ainda tenho, do último presente que meus pais me deram... Greg... ainda temos um ao outro.

Um Anseio pelas Artes ProibidasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora