Crux

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Guerra era uma coisa que Josh não queria mais saber, pelo menos por enquanto. Sofrera muito com a tortura de Jaden nas últimas semanas. Então apenas tentou relaxar naqueles dias.

Com o desabafo se sentiu melhor para aproveitar as pessoas que amava. Fez piqueniques com seus pais, nadou com Thiago, voou pelas nuvens, conheceu novas pessoas, fez amigos. Se era o suficiente pra ser feliz? Sim, mas a dor ainda estava encravada nele, e vez ou outra ele apenas sentia intensamente sua presença.

As pessoas daquele lugar eram adoráveis e por isso Josh pensou em sair dali. A sorte não estava o acompanhando ultimamente e temia que alguma coisa acontecesse com elas por sua causa.

Ele e Thiago tinham se tornado bastante próximos de Jessica. Ela era uma garota muito simples que como eles não tivera uma vida fácil. Ela era órfã, fora criada por seu avô.

Ela já havia passado por muita coisa: sua mãe, Joana, se juntara a um cara das trevas, digamos assim, e a abandonara quando tinha poucos meses de vida. Tempos depois seu avô recebera a notícia de que sua filha tinha morrido junto a uma gangue numa tentativa de roubar parte do tesouro de Alexia Güin, rainha élfica do Reino do Norte. Dois anos atrás ainda tivera que lidar com a revolta de sua irmã mais nova, Naiara, que acabou fugindo sem deixar qualquer rastro. Seu avô, Adenilson, já estava com idade avançada, mas era um homem forte.

Mesmo com tudo isso, Jessica nunca tirava o sorriso do rosto. Ela via a felicidade na simplicidade da vida que tinha. Por esse motivo, talvez, tenha se dado tão bem com Josh e Thiago.

Agora, estavam indo para Crux, o morro mais alto de Fari Vallem. Eram três da manhã. Thiago bocejava sonolento, não estava contente em não ter dormido. Os três passaram a noite conversando, comendo e cantando num luau improvisado.

— Porque que a gente não podia simplesmente acordar às cinco e meia e nos transportar pra lá? Seria mais fácil — resmungou ele.

— Porque a caminhada é divertida, e quando você tem um mínimo de esforço pra chegar lá, você percebe como vale à pena.

— Sabe, não ganhei poderes para continuar andando a pé — brincou Thiago.

— Aí, toma Thiago! — Disse Jessica entregando a ele um embrulho de folhas. Thiago olhou para ela com cara de "o que é isso?" — É doce de guaraná. Minha especialidade. Vai te dar energia e acabar com esse seu sono.

Enquanto isso, Josh estava encantado com a lua cheia refletindo no rio. Como tudo naquele lugar poderia ser diferente? A lua normalmente é a mesma em todos os lugares. Ele pensou em como Katy ficaria encantada com aquela noite, em como ela iria resolver ficar ali por pelo menos dez anos, mas desistiria da ideia por causa da sua paixão pela Grã-Bretanha.

Quando chegaram à outra margem do rio, Thiago já havia se animado e vez ou outra até dava uns saltos. A mata daquele lado era mais densa, a luz da lua já não ultrapassava a copa das árvores. E essa fora a oportunidade que ele teve para fazer uma brincadeira. Ficando um pouco para trás ele desaparecera por entre os troncos. Quando Jessica e Josh perceberam a ausência dele, ele os deu um susto.

Às vezes precisamos deixar de ser adultos, precisamos deixar de lado a seriedade das coisas. Uma brincadeira, uma malícia de criança, um momento como pequenos garotos que querem apenas descobrir o mundo. Mesmo adulto, não há como vivermos sem isso. Porque quando você deixa as responsabilidades, as regras, os padrões te consumirem, você se torna mais um, quando o que você menos queria quando criança era ser um.

Com paradas para lanches (que tinham no cardápio frutas, doces, tapioca) eles foram chegando ao topo do morro. Não era fácil sem usar magia. Havia trechos muito íngremes, outros escorregadios, e alguns do lado de precipícios. E Jessica tinha colocado como regra "se cair, tem que começar de novo".

Se Josh quisesse ele poderia usar magia sem que os outros percebessem (e eles sabiam disso, por essa razão estavam sempre o observando), mas ele decidira seguir essas regras, e estava sendo bem mais divertido.

Eles se apostaram corrida quando as subidas diminuíram. Thiago corria de um jeito desengonçado, mas era muito rápido ainda assim. Jessica era habilidosa, desviava de qualquer obstáculo, tão rapidamente quanto os avistava. Josh não tinha muita coordenação em desviar, correr e manter um ritmo e por isso fora o último a chegar.

Ainda estava escuro, faltava quase uma hora para o nascer do sol.

— Estão vendo?! Eu podia ter dormido e ainda daria tempo! — Reclamou Thiago, não por estar insatisfeito e sim para ser chato.

—Para com essa, que eu sei que você está gostando — falou Josh.

— Sim, estou.

A conversa acabou aí. Eles apenas deitaram na grama na clareira que havia e ficaram observando o céu que ainda estava estrelado.

* * *

— Porquê Crux? — Perguntou Josh à Jessica.

—Por uma série de motivos, mas a principal está lá em cima — disse ela apontando para uma constelação. —Aquelas cinco estrelas formam uma cruz. É a constelação Crux. Ela é uma maneira de se guiar por aqui. A estrela mais distante aponta para o sul. Fari Vallem significa "Vale do Farol". Um farol te guia para algum lugar, assim como a Crux. E como esse é o maior morro de Fari Vallem, o que não deixa de ser uma forma de se orientar, batizaram-no de Crux. É por isso que dizem que em Fari Vallem você sempre saberá para onde ir.

* * *

O céu começou a ganhar um tom mais claro e os três subiram no topo de um jequitibá para ver o sol nascer. Nas falhas entre as nuvens se podia ver um vale muito bonito, mas o que mais encantou Josh fora ver o sol surgir. Nunca vira algo tão bonito. Lágrimas escorriam de seus olhos.

Uma vez, quando estava sendo tortura na fortaleza de Jaden, e novamente colocavam aquele anel dourado em seu dedo ele sentiu ódio do sol. O sol o impediu de proteger seu amor, trouxe dor. Mas vendo aquele despertar do dia, como poderia ter raiva do sol? Não fora o sol que o machucara, não fora o sol que matara Katy. O sol trazia vida e beleza para o mundo. Ela sabia disso, por isso o amava.

Isso fez com que Josh se lembrasse de algo que Katy havia dito anos antes quando ele decidira pesquisar sobre o Reino da Morte. Ela dissera "Algumas pessoas são infelizes porque tentam entender a morte, quando apenas deveriam aceitar a vida".


O Reino da MorteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora