AO CAIR DA NOITE

331 8 1
                                    

Resolvi depois da minha esposa insistir tanto para que eu contasse sobre esse fato estranho.

O ano é 1832, sou enfermeiro, cuido de um paciente em sua residência. Uma casa antiga, com muitas histórias dos familiares que um dia residiram ali.
Sempre acontece a troca entre nós as 8:00 da manhã, assim o novo no plantão se encarrega com as atividades matinais. Hoje 13 de agosto, meu amigo ao deixar o paciente aos meus cuidados, relatou algumas coisas de sua noite.
- cara ele demorou muito para dormir, tive que aplicar protofal um calmante muito mais forte que o de costume. Mesmo assim ele esteve uma inquietação anormal, descreveu um elefante, com um estranho homem guiando o animal.
- De fato essa é nova, eu já escutei que ele viajava muito, estudou fora, mas nunca ouvi nada com animais. Até pelo fato de nosso paciente ter sido um renomado médico. Ele fez um grande avanço com vacinas contra vírus em sua época de atuação.
Nesse dia ao sair, o Hermes deixou tudo por extenso, todas as frases que o paciente havia dito.
Fiquei boquiaberto pelas histórias ali contadas. Cada uma mais fabulosa que a outra.
Por volta da metade do dia perto de seu almoço ele começou a falar um pouco.
- Tire esse homem daqui, diga que já foi acertado o pagamento, que ele apenas deixe o elefante do lado de fora. Odeio tratar com esse tipo de pessoa.
Era como se eu vivesse a visão dele.
Um temor pelo corpo, um frio correndo pela espinha, me fez ver aquele homem, estranho com feições nada agradáveis, de pé bem ali a minha frente na porta, com os braços cruzados como se cobrasse algo de fato.
- Mas vamos diga que estou pronto. Arrume sua maleta Bruno, para que possamos colher amostras em campo.
Fixo com pupilas dilatadas, permanente em fuga da realidade.
Fiquei perplexo ao ouvir tudo aquilo. Jamais saberia que meu paciente tivera feitos tão incríveis pela vida.
Fui até a sala para tentar buscar respostas com sua esposa, mas parecia que ela não estava a vontade com o estado de seu marido.
Mudou de assunto, pedindo que eu o levasse até a rua para que ele mudasse um pouco a visão de ambientes.
Fomos até uma praça, muitas crianças brincando, donas de casa tirando um pequeno espaço em suas tarefas diárias.
- EI JA FALEI QUE LARGUE ESSA MERDA AI MESMO! VOCÊ ESTA SURDO?
Fixei o olhar após cair sentado, com o berro.
- Será que você pode descrever tudo por favor?
- Está brincando, sabe o risco que está correndo ao carregar essa carcaça?
Ele olhava fixo para minhas mãos, trêmulas pela veracidade de seus relatos.
- SÓ PODE ESTAR CEGO, NÃO CONSEGUE MAIS DISTINGUIR UM SER? Esse de fato está morto. Meu deus o que está havendo com você Bruno?

Era como se eu sentisse a presença de mais alguém ali.
Pedi que ele se levantasse, fomos caminhando de volta para casa.
Sentia como se algo acompanhá-se meus passos. Um arrepio correu meu corpo.
Meus pelos eriçados por todo o corpo, era como se ele tivesse uma carga muito forte transmitindo para o mim. Cheguei de volta em sua casa, deixei-o sentado no escritório rodeado dos seus livros de pesquisa. Fui tomar um banho, só poderia estar passando por um daqueles dias ruins.
- BRUNO SEU IMBECIL. PORQUE DIABOS PÔS ISSO NA MESA DE COLETAS?
Merda de assistente burro! Cada dia você faz uma coisa diferente e errada!
VAI ACABAR NOS MATANDO SEU RETARDADO!
VOCÊ SABIA QUE ESTE INDIVIDUO FOI CONTAMINADO?
O banheiro fica afastado do escritório, mas pude ouvir com clareza sua indignação.
Fui rapidamente ao encontro dos gritos, ao chegar na porta fui atingido por parte de uma cadeira! Agora ele fazia um exame minucioso nos restos da cadeira.
- Diga-me doutor, o que relata pelas ações deste individuo?
- RELATO QUE VOCÊ ESTEVE ERRADO BRUNO, ELE NÃO TEM FEBRE COMO ESTA EM SEU RELATÓRIO!
- EI, MAS O DOUTOR AQUI É VOCÊ, ENTÃO FAÇA SEU RELATÓRIO E ATESTE A CAUSA DO ÓBITO!
- IDIOTA INSOLENTE, ACHA QUE SABE ALGUMA COISA NÃO É? Pois tome seu paciente, foi você mesmo que o trouxe até aqui. Cure-o ou deixe-o morrer!
Saindo do escritório, fazendo gestos como se desinfeta-se as mãos.
A noite havia mudado mais de mil vezes o rumo da história. Só não mudava o estranho dos elefantes.
Após coloca-lo na cama, ele só pediu que deixasse uma luz acesa. Que ele poderia voltar a noite.
Assim que a sedação fez efeito, fui até a sacada do quarto fumar uns cigarros, para me ajudar a pensar e sair do trauma desse dia .
Tenho uma visão da cama e todo o quarto aqui deste ângulo.
Logo noto uma estranha sombra percorrer o quarto com tal rapidez, que se assemelha a uma mariposa em volta da lâmpada.
A pequena sombra toma uma dimensão grandiosa, como se um caminhão estivesse suspenso e rodando dentro do quarto.
Levantei de um só pulo, ao adentrar a porta da sacada, não havia nada no quarto.
Achei que poderia ser pelo dia estressante, fiquei de fato assustado com os relatos.
Fui até o sofá para recostar um pouco e tentar descansar.
Passos entram e saem do corredor a toda hora, como de costume já pedi para que na hora dele deitar não haja barulho. Isso deixa ele em total estresse que logo fica agressivo devido a falta de sono.
Abri a porta para dar uma bronca, mas não havia ninguém passando pelo corredor. Apenas a penumbra pelos cômodos, os criados haviam se recolhido, e apenas eu olhando de um lado para o outro na imensidão daquela casa fria e escura.
Ouvi a porta de um armário sendo aberto devagar. Logo um baque.
Sai em disparada para o quarto achando que meu paciente fugiu da cama, e acabou perdendo o equilíbrio devido ao efeito do sedativo.
Para meu espanto ele estava deitado, dormindo calmamente. Parece até feliz pelo semblante.
Um frio corta o quarto estranhamente, fazendo com que ele busque o lençol.
Resolvi passar mais uma noite acordado. Já que não irei conseguir dormir com toda essa tensão.
Peguei um livro dos muitos ali presentes nas prateleiras.
Vida após a vida, fala sobre um médico que escreveu os relatos de seus pacientes quando estiveram quase mortos.
Pacientes que são projetados de seus corpos e descrevem a atuação dos médicos.
Acabei pegando no sono. Tento acordar, mas estou entorpecido. Algo parece me segurar pelo pescoço, forçando meu tórax para que não possa respirar.
Escuto uma voz rouca me chamando bem longe.
Quando consigo abrir os olhos, o Hermes está me sacudindo.
Parecia que tinha acabado de dormir, mas já era dia.
O velho estava tomando café com sua esposa.
- Como não pude acordar para te receber hoje! Estranho. Nunca me atraso. Mas tive uma experiência diferente esta noite, pois tudo que ele via e relatava parecia que eu vivia o momento junto!
Não sabia o que fazer ou falar com o Hermes, então peguei minhas coisas e fui para casa descansar.
Ao entrar no trem notei uma figura pelo canto dos meus olhos. Logo me virei, mas não havia ninguém naquele ponto da estação, até mesmo pelo fato de ter sido evacuada pelas locomotivas aglomeradas sem uso.
Mesmo em casa não conseguia tirar a história da cabeça.
Fiquei martelando aquilo o resto do dia. Ao cair a tarde fui até o hospital, buscar informações sobre meu paciente, já que foi uma indicação de uma colega de trabalho.
- Henrique, não sei muito sobre seu paciente. Há uns três meses tratei de sua esposa, mas dele nunca tratei. Quando ela falou que precisava de pessoas para cuidar de seu marido, sugeri o Hermes e você. Sei que são de extrema confiança. - Respondeu Gabriela.
- Tudo bem, ele vem desenvolvendo um quadro estranho, ele vive momentos do passado que eu não sei se realmente existiram! Estou assustado pelos relatos, são homens estranhos com elefantes, um tal de Bruno que é assistente dele. Não sei o que fazer mais.
- Henrique vou ver o que posso saber dele, assim que você sair de plantão passa aqui pra almoçar comigo.
Chegando em casa, notei que alguma coisa me olhava, mas se escondia. Não podia ver o que era. Sentei no solário esperando um café fresco, senti que alguem respirava próximo ao meu pescoço, uma coisa pesada. Achei melhor não dizer nada a minha esposa para não deixa-la preocupado. Ela quase passava mal só de pensar em alguns parentes falecidos.
Terminei meu café com um cigarro. Notei pelo canto dos olhos uma silhueta masculino encostada no guarda corpo a minha direita. Um calafrio correu minha espinha, quando algo quebrou na cozinha.
- Marta o que houve?

Contos & ContosWhere stories live. Discover now