Perguntas sem respostas

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"O medo mantem o trauma, o trauma mantem a insegurança, e a insegurança mantem o medo...E é um ciclo vicioso" (Beatriz Yonara)

Continuei olhando para minhas mãos trêmulas enquanto as perguntas eram empurradas para dentro da minha cabeça. Senti meu pai acariciar meu ombro, um gesto para me acalmar, sem dúvidas, mas sem efeito.

Não sei como seguir em frente depois das ultimas 24 horas. A sensação de choque, medo, adrenalina, desespero e confusão embrulham meu estômago e não me deixam pensar em mais nada.

- Talvez você queira mais um pouco de água com açúcar? - A voz do delegado Joffrey está impaciente. Eu também estaria,  se fosse ele. Faz duas horas que estou nessa cadeira sem falar absolutamente nada.

Olhei pra cima. A sala é grande, porém aconchegante. Estilos rústicos, com paredes de madeira e quadros de animais sempre me lembram minha casa. Respirei fundo e decidi que está na hora de começar a dar explicações.

Peguei a mão da minha mãe do meu colo e a segurei firme, como um porto seguro. Olhei para Joffrey e acenei com a cabeça. Estou pronto.

- Muito bem, senhor Walton. Que tal começarmos pelo momento em que o senhor foi sequestrado?

***

Estava bravo que minha mãe havia me forçado a vir para a festa idiota de Halloween. Assim que chagamos dei a desculpa que iria para a piscina, mas passei reto, em direção a floresta. Rapidamente achei o banco que eu e Gaia nos sentamos no velório de sua mãe.

Tirei a capa preta que fazia parte da fantasia ridícula de vampiro que minha mãe havia comprado para mim e me sentei. Talvez Gaia estivesse certa em fumar, afinal. Aqui sentado em meio a tantas árvores, sozinho, e pensando na merda que está minha vida, um cigarro não faria mal algum.

Não tenho ideia de quanto tempo se passou, mas voltei a realidade quando ouvi as vozes. São de Gaia, William e mais dois caras que não conheço. Parecem estar discutindo. Pensei em levantar e sair, porém não quero chamar a atenção deles. Não consigo entender o que estão falando, mas torço para que saíam logo.

Mas claro que não tenho tanta sorte assim. Não demorou muito até as vozes ficarem mais altas e dois caras loiros e altos apareceram no meu campo de visão. Me levantei e eles pararam. Os dois se entreolharam e começaram a gargalhar.

- Charles Walton. Que prazer! - Os dois obviamente eram irmãos. O de cabelo mais longo e que aparentemente era o mais velho que falou comigo.

- Quem são vocês? - Não estou com medo, só sem saco para fazer novas amizades.

Eles riram da minha pergunta e se aproximaram, mas foi o mais novo que respondeu desta vez.

- Isso não interessa. O que interessa é que hoje o destino está ao nosso favor.

Não tive tempo de responder, já que levei uma pancada ao lado da cabeça e caí no chão.

***

- E quando acordou, já estava na casa dos avós de Gaia?

Confirmei com a cabeça para a pergunta do delegado. Minha mãe apertou minha mão, tentando me dar forças, respirei fundo para continuar a história.

- Eu acordei e minutos depois Gaia chegou acompanhada do William...

***

Não sei se sinto alívio ou desespero ao ver a Gaia chegando ali. Eu tinha visto a arma e eles haviam me contado todo plano. Quero ser o herói, fazer algo, mas não consigo me mover na cadeira.

É como se estivesse dentro de um filme, vendo toda a ação de cima. Ouvi Bruno e Spencer contarem toda a história, percebi o olhar desesperado de Gaia, as mãos trêmulas de William, fechadas com força, como se estivessem prontas para socar alguém. 

E então Spencer levou a arma a cabeça, sei que devo torcer para que ele morra aqui mesmo, mas meus pensamentos estão voltados somente pro momento que a arma chegará em minhas mãos. 

Mas Spencer se livrou, e é a vez de Willian. Me senti mal por desejar a morte dele, senti todo meu corpo tremendo, e então ele apertou o gatilho, mas também está livre. Ela parece carregar o peso do mundo.

Fechei os olhos e a coloquei contra a minha cabeça. Eu me sinto uma criança de cinco anos. Quero chorar e gritar o nome da minha mãe até ela aparecer, correndo. Apertei o gatilho. Nada aconteceu. Não pude conter o suspiro que deixou meu corpo.

Passei a arma para Gaia e nossos olhos se encontraram. Pela primeira vez sinto medo por ela, medo de perde-la, medo de nunca mais olhar em seus olhos. E igual a mim, ela levou a arma a cabeça, e atirou.

***

- Depois ficou tudo muito confuso. - Lutei na minha cabeça, tentando lembrar exatamente o que aconteceu, mas é tudo um borrão de imagens.

- Tente lembrar, Charles. - A voz da minha mãe soa doce e calma ao meu ouvido.

- Eu não sei, ok? - Levantei-me da cadeira. 

Tentei acalmar minha respiração andando de um lado para o outro da sala. Posso sentir o olhar do delegado e dos meus pais em mim. Eles não entendem, eles não estavam lá. Não sentiram o desespero, o medo. Eles não tiveram que levantar a arma e aponta-lá para a própria cabeça e depois puxar o gatilho.

- Charles...

Virei para o meu pai, e ele parou de falar assim que viu minha expressão. Andei até a mesa do delegado e respirei fundo.

- Olha, - Mantenha a calma, Charles. - Eu lembro de olhar para Gaia, e dela puxando o gatilho. E então foi tudo rápido demais. A bala não estava com ela, logicamente Bruno seria o próximo, mas então Willian caiu ao meu lado desacordado e com a cabeça sangrando.

- Foi tudo ao mesmo tempo. - As lembranças estão em câmera lenta na minha mente, mas sei que elas aconteceram simultaneamente. - Me virei para ver Will, e então ouvi um grito e um disparo, e senti que Gaia havia caído também. E antes que eu pudesse fazer qualquer coisas, ou entender o que estava acontecendo, algo bateu na minha cabeça e quando acordei estava dentro de uma ambulância.  

Minha mãe começou a soluçar e tentei não olhar para seu rosto banhado em lágrimas. Eu não sei o que aconteceu, não sei como está Gaia, não sei onde aquele tiro acertou. Tentei não pensar nos possíveis cenários até agora, mas eles invadiram minha mente sem pedir licença.

- Isso é tudo por enquanto, Sr. Walton. - O delegado Joffrey se levantou e me ofereceu sua mão. Apertei no automático. 

- Ok, Charles - Meu pai se levantou e me deu três tapas nas costas. - Você precisa descansar agora.

- Espera. - Então era isso? Eles perguntaram  que quiseram e eu respondi, e agora querem que eu vá embora sem questionar nada? - Em quem o tiro acertou? Onde está Gaia? 

Círculo Vicioso - Continuação de Roleta RussaWhere stories live. Discover now