SHOODÍACO

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SHOODÍACO

A próxima reunião shandy será a 13 Nov., no Avenida Palace, em Lisboa. Queira comparecer.

O convite foi-me enviado por telex para a única pensão de Salvaterra de Extremo onde estava a escrever o meu segundo romance. Confesso que fiquei um pouco surpreendido com a convocatória, porque ainda não me considero um perfeito e inútil shandy. Tento fazer o melhor contrabando de palavras possível, foi por isso que me instalei nesta terra raiana. Apanhei o Sud Express na manhã seguinte e cheguei à capital ao final do dia. A viagem decorreu normalmente se não der muita importância a esta pequena nota de rodapé[1]. Estava um frio de rachar quando cheguei. Havia putos na plataforma do Oriente a venderem caracoletas e sardinhas no pão takeaway. Evitaram-me a todo o custo, talvez por não ter cara de inglês abastardo. Um táxi apanhou-me e zarpámos para o hotel. Quando cheguei, identifiquei-me com o meu cartão de dador de verbetes, e a melíflua recepcionista deu-me em troca o cartão magnético de uma suite. Viria a saber mais tarde que Valery Larbaud, durante a sua breve passagem por Lisboa nos anos vinte, pernoitara na mesma suite. Pousei a mala em cima do sofá. Havia Raposeira num balde de gelo e 24 passas numa taça de cristal para comemorar a passagem para o dia seguinte. Tirei a carta de Tarot do bolso e pus-me a analisá-la. Bebi mais de meia garrafa e adormeci em cima da cama com a roupa que trazia, embalado pelo relógio de pêndulo melancólico do meu smartphone. O sol ainda não tinha nascido quando acordei. Tinha a boca seca. Levantei-me para ir tomar banho e reparei numa carta no chão junto à porta de entrada. O envelope não tinha remetente, apenas um enorme nariz mais ou menos semelhante a este:

 - nariz -

A carta cheirava a canela e dizia o seguinte:

 A lua está cheia. Está de tal forma cheia que parece que vai parir pequenas luazinhas. A sua missão, caso a aceite, será a de elaborar sucintamente (não queremos verborreias técnicas) os signos de um novo Zodíaco(o actual é bastante falível) para serem lidos e apreciados na próxima reunião shandy que irá ocorrer amanhã à noite.

Esta carta não irá se autodestruir – PF tenha a bondade de a rasgar em pequenos quadrados de 2 mm² (envio em anexo uma amostra para sua referência).

Imprescritivelmente, D.

 P.S.S.T.: Não se esqueça do seu odradek.

Ouvi água a correr. Era o meu odradek que estava a tomar banho. É despropositado e um pouco hindu nas suas maneiras. Encostei-me no sofá e olhei para a janela. Será esta a oportunidade para ser tratado finalmente como um shandy? Ou será uma armadilha de algum rival literário? Senti a cabeça coagulada. Tranquei a porta da casa-de-banho e pedi à recepção para não ser incomodado. Não posso retirar todos os espelhos da suite, vou ter de os evitar ao máximo. Decidi arriscar. A partir daquele momento, ficara gloriosamente entregue a mim a mesmo. O meu odradek gania na casa-de-banho e arranhava a porta. Assim que me sentei, ouvi um disparo de canhão que fez estremecer as janelas. O odradek calou-se. Vinha do castelo de S. Jorge e anunciava que o gelo no Tejo estava a quebrar-se. Arregacei as mangas e beijei a mão esquerda com a direita atrás das costas.

Porco-preto (Nivoso)

É o primeiro signo do Shoodíaco e não é governado por nenhum planeta, pois é completamente ingovernável. Alimenta-se exclusivamente de carne de porco quando está apaixonado(a). Consegue farejar e detectar sentimentos nobres naqueles que o rodeiam, mesmo quando estes não passam de uns grandes bastardos aos olhos dos outros.

Não conseguem expressar os seus sentimentos e metem os pés pelas mãos e as mãos pela pélvis. Quando conquista a pessoa armada, o nativo deste signo torna-se cronicamente ciumento e possessivo, não partilhando o ente querido com ninguém. O nativo do sexo masculino do último decanato não tem maneiras à mesa e devora quase tudo o que lhe põem à frente. Não espera até que mais de metade da mesa esteja bobonicamente servida, pois é tão sôfrego como uma retroescavadora.

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