Capítulo 3

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Como eu poderia dizer não a essa proposta?

Fernanda

2011

Eu sempre fui mais parecido com o meu pai do que com a minha mãe. Os olhos castanhos, a pele escura, os lábios mais grossos e o nariz mais largo eram as principais características. Mas, emocionalmente, eu era muito mais parecido com a minha mãe.

— Não quero mais ir para a escola — voltei a fazer pirraça. — Eles me odeiam!

— Ninguém odeia você! — meu pai me encarou com carinho.

— Eles disseram que o meu cabelo é duro — falei com a voz chorosa.

— Seu cabelo é lindo, Fefe! — ele levou a mão direita a um cacho que se negava a ficar no lugar. — Seu cabelo é a sua coroa.

— Queria que ele fosse liso como a da mamãe! — voltei a reclamação, contendo a ardência na garganta que fez os meus olhos lacrimejar.

Notei a leve decepção nos olhos do meu pai, mas eu não pude me importar, não quando as outras crianças continuavam implicando comigo e com o meu cabelo. Quando se deu por vencido, ele respirou fundo e me pegou pela mão, tirando-me do sofá e me colocando de pé.

— Tudo bem, você não precisa ir para a escola hoje — ele falou. — Mas vamos estudar em casa.

Meu pai era professor e ensinava história. Ele era muito inteligente e sempre tinha as respostas para as minhas perguntas. Em compensação, estava sempre me fazendo estudar e ler livros.

— Pai... — reclamei, mas ele não me deu ouvidos.

Subiu as escadas até o seu quarto e voltou depois de quase dez minutos, quando eu já estava convencida a ficar deitada na sala vendo desenho animado. Ele, no entanto, parecia ter outros planos para a nossa tarde.

— Vamos! — ele me chamou indo em direção à saída.

...

Dias atuais

Acordei cedo na manhã seguinte, sentindo-me bem depois de muito tempo. O aperto em meu peito tinha diminuído e a sensação de afogamento desapareceu quase que completamente. Eu me sentia estranhamente animada e, ao mesmo tempo, culpada.

Não sabia se era justo me sentir assim em tão pouco tempo da partida de meu pai. Mas eu sabia que, em qualquer lugar que estivesse, ele nunca me julgaria por tentar seguir em frente. Ele ainda me abraçaria e me incentivaria a continuar com os meus planos.

Por isso, depois de enrolar bons dez minutos na cama, eu me levantei e fui direto para o banheiro, para tomar o banho e me arrumar para mais um dia de trabalho. Tinha preparado a minha carta de demissão na noite anterior e ela já estava pronta na minha bolsa.

Eu estava disposta a cumprir o aviso prévio se fosse necessário, porque não queria deixar o meu chefe na mão. Mas estava contando com a sua condescendência de me liberar das minhas obrigações o quanto antes.

Eu tinha entregado todos os projetos que estavam sob a minha responsabilidade, também treinei nosso último contratado. Coloquei-o para trabalhar comigo nos últimos três projetos e sabia que ele estaria pronto para assumir a responsabilidade sozinho. Sem nem perceber, eu tinha me preparado para aquele momento.

Desci as escadas aos trotes e encontrei minha mãe na cozinha. Ainda era cedo, por isso ela estava em casa. Ela ergueu o rosto quando ouviu os meus passos e logo pegou outra xícara para encher de café.

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