Capítulo 1

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Era isso ou me afogar

Fernanda

A vida sempre me pareceu muito curta. Enquanto um humano pode viver 100 anos, um cachorro de estimação vive aproximadamente 14. Mas não se compara ao único mês de vida de uma mosca, que, por sua vez, não se compara aos 15 dias de vida de uma borboleta.

De diversas formas, a vida é curta.

Mas, por algum motivo, só percebemos isso quando ela está prestes a acabar. Durante os 20 dias em que meu pai esteve internado, eu vi a preocupação estampada em seu rosto. Eu vi a dúvida no seu olhar perdido. Mesmo repetindo que ficaria bem, nos momentos de silêncio, a pergunta "Para onde vou agora?" gritava em seus olhos.

A morte é a única certeza que temos desde o momento em que nascemos. Mesmo não sabendo o dia e o horário, a morte é certa para todos que respiram. Ainda assim, vivemos como se fôssemos existir para sempre.

Mesmo iludidos, ainda vivemos com arrependimento.

Eu sempre tive medo da morte. Não é medo de morrer ou de ser castigada, mas de simplesmente deixar de existir. De viver uma vida inteira para, no final, ser apenas um conjunto de partículas inúteis em um universo sempre em expansão. E talvez sejamos isso mesmo: partículas inúteis em um universo em expansão.

Acho que meu maior medo sempre foi ser esquecida. Mas gostaria de dizer ao meu pai que ele não tem com o que se preocupar, porque, enquanto eu existir, ele estará comigo. Suas histórias, seus sonhos que não foram realizados, as lembranças que criamos juntos. Eu sempre lembrarei dele. De nós.

Dois meses tinham se passado desde a nossa última conversa. Dois meses que me esforcei para sorrir e parecer bem. Dois meses que senti meu coração afundar em meu peito durante todo o dia, enquanto se desmanchava em lágrimas durante a noite.

Na maior parte do tempo, eu me pegava passeando pelas lembranças e me dei conta de quantas delas deixei de fazer com ele. Planos que fizemos, mas que não chegamos a realizar. Planos que, cada vez mais, eu sentia que precisava concluir, por mim e por ele.

— Obrigada! — falei depois que um cliente.

Tirei duas semanas de licença depois da morte de meu pai, depois disso, eu me enterrei no trabalho. Não tinha condições de ficar em casa pensando nas milhões de vezes que fui uma péssima filha, então preferi voltar ao trabalho.

Estava entregando um projeto quando o cliente perguntou sobre o atraso na entrega. Falei que tinha acabado de perder meu pai e vi a cor sumir do rosto do homem. Constranger desconhecidos com a notícia do "meu pai morreu" era a parte mais divertida de realmente o ter perdido.

As pessoas ficavam espantadas e constrangidas, então vinha a culpa e os pêsames. Não fazia eu me sentir melhor comigo mesmo, tampouco me fazia rir, mas era bom sentir que alguém, além de mim, estava desconfortável com uma perda que só eu parecia sentir.

Mas não era justo, minha mãe também estava sentida. Eu sabia porque ouvia ela chorar todas as noites. Além disso, ela não conseguia dormir na própria cama, então, por vezes, encontrei-a dormindo no sofá da sala.

Eu estava preocupada com ela e sabia que ela estava preocupada comigo. No final, nós duas colocamos um sorriso no rosto e nos esforçamos para parecer estar bem. Mesmo nenhuma das duas realmente estando bem.

Na maior parte do tempo, eu pensava nas vezes que fui grossa com ele. Ainda podia ouvir sua voz dizendo: "Quando eu morrer, você vai sentir falta de mim e vai pensar: bem que meu pai falava que eu ia sentir falta". Mais do que nunca, eu sentia que ele tinha razão.

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