Comadre Florzinha

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Um dia, lá na escola, a Cacá contou a história da Comadre Florzinha. Eu não acreditei, não. Achei que ela era uma mentirosa, mas a Cida acreditou. E o Dinho também. E aí, sabe o que aconteceu? Ela acabou convidando a gente pra ir pro sítio dos avós dela, só pra eu ver como era verdade. Continuei achando que era mentira, mas depois comecei a ficar preocupado. A Cacá disse que a Comadre Florzinha podia dar um susto ou uma coça em quem duvidasse dela. E eu tava duvidando. A Cacá então contou tudo sobre a Comadre Florzinha, uma história que, há muito tempo, é passada de boca em boca... Dizem que a Comadre Florzinha se perdeu na mata quando era uma menina e nunca mais foi encontrada. Contam que, depois de um tempo, ela aprendeu a conversar com os pássaros e com os animais, e passou a proteger a mata e todos os bichos que moram nela, já que tem muitos caçadores por aquelas bandas. Comadre Florzinha também cuida para que os animais não entrem em extinção. É por isso que o povo diz que tem dia marcado: só nas segundas, terças e quartas é que ela libera o pessoal pra caça. Nesses dias, os caçadores podem entrar na mata à vontade. Mas, nas quintas, sextas, sábados e domingos, quem entra lá tem problemas.

Ah! Já ia me esquecendo de contar! Algumas pessoas dizem que Comadre Florzinha cresceu e hoje em dia é uma velha bem morena, mas bem morena mesmo, quase negra, de olhos escuros e cabelo muito comprido, que vai quase ate o pé. Acontece que, como é pequenininha, continua parecendo uma menina bem engraçada com aquele cabelão.

Mas outras pessoas dizem que ela não virou velha coisa nenhuma, ficou menina pra sempre. Não sei bem quem tem razão. Cacá contou que ela adora enfeitar o cabelo com flores. Ás vezes também enfeita o seu chapéu. A Comadre Florzinha é livre como o vento e desaparece como um sopro. Aliás, ela adora assobiar e pregar peças nas pessoas.
Quer ver só o que ela aprontou comigo, quando fui com a Cida e o Dinho pro sítio dos avós da Cacá?

Fonos nós quatro: a Cacá, eu, a Cida e o Dinho. O lugar era lindo, pertinho da mata. O casarão era muito antigo, com fogão a lenha, luz de lampião e água de poço. Era assim porque o avô da Cacá não gostava dessa tal de tecnologia. Queria tudo igual ao que era nos tempos que o pai dele tinha comprado o sítio. E levava isso muito a sério. A Cacá contou que uma vez deram pra ele uma televisão pra ver se finalmente ele deixava instalar luz elétrica, mas que nada. Dizem que ele quase quebrou a televisão. Ficou foi furioso. Então você pode imaginar como é o sítio: pertinho da mata e sem luz.

Assim que chegamos, Cacá nos apresentou:

-- Oi vô! Esses são meus amigos que falei pro senhor que ia trazer, lembra?    

-- Ah! Esses aí são os tais que tão duvidando da Comadre Florzinha?

-- Ah, José! Não atormenta os meninos, senão eles podem ficar assustados! -- disse vó Ritinha.

Mas, como eu tava curioso, não resisti à provocação de seu José.

-- Não se preocupe, dona Ritinha, a gente não tá assustado, não. Eu ia até pedir pro seu José contar um causo da tal Florzinha.

-- Comadre Florzinha, menino! Não brinca, não, senão você vai ser o primeiro.

(Altora: vai mesmo hihi aham desculpa tchau.)

A essa altura da conversa, a Cida e o Dinho já estavam me fuzilando com o olhar. Mas, mesmo assim, nos sentamos ao redor do fogão a lenha, e seu José começou a contar que quem quisesse caçar nos dias em que não era nos permitido teria que levar um rolo de fumo e o cachimbo pra oferecer á Comadre Florzinha. Porque, enquanto ela fumava, o povo aproveitava pra caçar. Mas, como era danada de rápida, sempre acabava de fumar antes de eles terminarem a caça. Então, ela começava a assobiar aqui e ali, deixando os cachorros dos caçadores doidos, latindo e correndo sem rumo por entre as árvores. Depois ela amarrava o rabo dos cavalos e fazia trança. E ainda pegava os caçadores e batia neles com seus longos cabelos. Dava-lhes uma surra que precisava ver só. Seu José falou de um cabra que quase enlouqueceu de tanto medo. Dizem que ela está meio lelé da cuca até hoje, depois de ter apanhado da Comadre Florzinha.

historias do folcloreWhere stories live. Discover now