— Fábio. Meu nome é Fábio Linderoff. — Respondi.

O homem de preto fez um gesto com a cabeça, liberando a minha passagem, depois de checar uma lista presa em uma prancheta em sua mão. Eu o contornei ao mesmo tempo que o luminoso da fachada acima da casa preta feito de neon emitiu uma fagulha e duas letras se apagaram.

"The lights are much brighter there

You can forget all your troubles, forget all your cares"

Achei o que estava procurando no bolso e caminhei em direção a entrada lateral da casa. O letreiro no alto informava agora HELL HERE.

Em frente a porta que dava acesso apenas às pessoas autorizadas haviam mais dois seguranças. Eles abriram passagem me cumprimentando com a cabeça e em silêncio. Retribui o aceno e abri a porta. Ela dava acesso a um corredor escuro. O som abafado da música que estava rolando dentro do bar chegou até ali. Fechei a porta atrás de mim e encostei nela. Fechei os olhos e respirei fundo. Eu estava tonto. Como se tivesse bebido um litro de bebida alcoólica de uma vez com o estômago vazio. Tirei o chapéu da cabeça e fiquei com ele preso entre os dedos e uma caixinha que eu tinha tirado do bolso da calça.

Tentei andar, mas a sensação de embriaguez tomou conta do meu corpo me atirando contra a parede. Usei minha mão direita para me apoiar. Eu via várias mãos e vários corredores dançando diante dos meus olhos.

O local era escuro, as paredes de cor preta eram iluminadas por alguns pontos de luz que iluminavam molduras douradas e fotografias em preto e branco de lendas do rock.

Não era a primeira vez que eu vinha naquele lugar. Portanto, pelo menos eu sabia onde eu estava e o fato do segurança da calçada sempre perguntar quem eu era me irritava, pois ele sabia que eu já havia ido ao Hello There algumas vezes.

"So go Downtown

Where all the lights are bright, Downtown

Waiting for you tonight, Downtown

You're gonna be all right now, Downtown

Downtown

Downtown"

Cambaleei e me escorei nas paredes até chegar a primeira porta do lado esquerdo do corredor. Havia apenas uma estrela dourada de cinco pontas  suja e quase apagada indicando que a saleta era usada como uma espécie de camarim.

Assim que entrei me deparei com Rael parado. Estava de costas para a porta com o celular na mão.

— Fábio! – Ele disse surpreso quando entrei quase caindo.

— Água. — Pedi.

— Estou tentando falar contigo há um tempão, meu. O pessoal já está passando o som lá em cima. Todos desesperados achando que você ia furar.

Olhei pra ele e disse:

— Sem bateria. Água.

Olhei para o meu lado direito, junto a parede uma mesa oferecia uma baguete de frios, um prato de salgados sortidos, um prato com pedaços de melancia, outro com alfajores, copos e pratos de plástico transparente, garrafas de refrigerante, uma garrafa de vodka e uma de whisky. Tinha tudo, menos água.

Do meu lado direito havia uma bancada com um espelho com algumas luzes contornando-o, semelhante aos que a gente vê em filmes. No fundo do cômodo havia um sofá, poltronas e próximo a parede uma arara cheia de cabides e pendurador de roupas. Na parede do lado direito havia uma porta que dava acesso ao banheiro que tinha também um chuveiro.

O cômodo não era muito grande, não tinha janelas, a luz amarelada deixava a sala toda com um aspecto mais sujo do que ela já aparentava ser. As paredes amareladas, rachadas, descascadas, mofadas tinham autógrafos de vários músicos que já haviam passado por ali. Nenhum rock star internacional, obviamente.

— Você está bem, cara? – Rael perguntou se aproximando.

— Eu preciso de água.

— Claro, claro. Eu vou pegar.

"And you may find somebody kind to help and understand you

Someone who is just like you and needs a gentle hand

to guide them along"

Rael saiu e fechou a porta. Coloquei o chapéu sobre a bancada e cambaleando em círculos consegui tirar o poncho e jogá-lo no sofá. Abri o zíper da jaqueta e tentei buscar ar olhando para cima.

Na minha mão estava a caixa do meu remédio que vinha sendo meu melhor amigo nos últimos tempos e que eu achei que tivesse perdido. Abri os dedos a palavra Rivotril sorriu para mim.

Eu estava branco, suando frio, com a boca seca, com o coração disparado e tremendo. Não dava para esperar a água. Peguei um comprimido, coloquei debaixo da língua e com a ajuda do bom e velho Jack mandei a droga goela abaixo bebendo no gargalo da garrafa.

Com dificuldade consegui me livrar da jaqueta de couro também. Deixei ela no chão e ainda cambaleando consegui chegar até a bancada hollywoodiana.

Os bulbos de luzes amarelas que não estavam queimadas ajudavam a iluminar meu rosto. Olhei para mim e não conseguia enxergar nenhum traço do que eu era há três anos e meio atrás. Um rapaz jovem e cheio de sonhos que trabalhava como vendedor em um shopping e que começou a faculdade para orgulho dos pais.

Coisas aconteceram de lá para cá. Muitas coisas. Parando para pensar foi muito para uma pessoa só. Um fardo muito pesado para uma mente até então muito limitada, despreparada.

Virei o rosto para poder ver um pouco do meu perfil e realmente minha mãe estava certa. Eu estava muito magro. Uns 7 quilos abaixo do meu peso ideal para ser mais exato. Coloquei as mãos sobre a bancada e vi meus dedos brancos, longos, magros, tremerem. Usava anéis baratos pra criar um charme para aquela noite. Minhas unhas estavam pintadas de preto, mas o esmalte em alguns pontos ou estava lascado ou já tinha saído. Apoiei as mãos na bancada de madeira e cheguei mais perto do espelho.

Meus cabelos cumpridos, ensebados, tingidos de preto estavam na altura do ombro. Minha barba estava malfeita graças a uma tentativa frustrada de deixa-la com o estilo ducktail, tentando imitar o personagem Calvin Candie, eternizado pelo ator Leonardo DiCaprio no cinema. Meus lábios estavam rachados por causa do frio. Estava com olheiras. Estava uma merda.

"So maybe I'll see you there

We can forget all our troubles, forget all our cares"

Cheguei ainda mais perto do espelho. A luz do teto enfraqueceu, piscou e voltou ao normal. Olhei para a lâmpada e ela se firmou. Entretanto, algo estranho aconteceu quando eu olhei para o espelho. Tudo o que eu via atrás do meu reflexo eram cabines do que parecia ser um banheiro mal iluminado. Aquele contraste de luminosidade foi o que mais me chamou a atenção. Instintivamente me virei rapidamente e as paredes mofadas do pequeno camarim continuavam ali banhadas pela luz amarelada. Abri um sorriso nervoso, sem entender o que acabara de acontecer. A luz piscou mais uma vez. Voltei a olhar para o espelho e tudo estava normal. Uma luz fria me iluminava agora, contrastando com a imagem do espelho, com as paredes do camarim que estavam novamente atrás de mim, coloridas com aquela luz quente. Algo estava errado. Meu coração estava disparado e minhas mãos ficaram geladas como se eu estivesse encostado em algo frio. Olhei para baixo e minhas mãos seguravam de fato uma pia de louça branca. Tirei as mãos dali imediatamente e dei um passo para trás. Ergui o olhar para o espelho, novamente as cabines do banheiro estavam atrás de mim. Me virei rapidamente e elas continuavam ali. Dei uma volta completa em torno de mim mesmo e me dei conta de algo incrível e assustador. Eu não estava mais no camarim.

"So go Downtown

Things 'll be great when you're, Downtown

Don't wait a minute more, Downtown

Everything is waiting for you

Downtown"

100 Cuecas!Where stories live. Discover now