Capítulo 8

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Blair cochilava encostada na janela fria. Sua bochecha congelava, e as gotas de chuva ja haviam secado. Harry olhou para a irmã dormindo, e resolveu acabar a sopa por si só, por mais que se sentisse egoísta. O gosto agridoce da última colherada encheu sua boca e o deixou com vontade de mais.

Levantou desajeitosamente, ajustando o colarinho do suéter, que estava torto. Seus óculos estavam borrados da fumaça quente do ensopado, ele assoprou, e recolocando-os, andou até a grande janela.

A visão agora estava mais nítida. Estavam em um ambiente com muitas montanhas e uma relva esverdeada, somente aguardando a chegada da neve em Janeiro. Era 26 de Dezembro, e Cotswolds apresentava um clima até natalino e poético, com seus pinheiros cheios e o céu nublado. Apesar do clima de Londres ser encantador, até lugar parecia um refúgio de todos os problemas causados pela guerra.

Harry olhou no relógio amarronzado. Os ponteiros marcavam 17:46. Conhecendo a pontualidade inglesa, chegariam na estação um pouco antes das seis.

Engoliu em seco. Havia tomado toda a sopa, que sua irmã dividiu com ele! Seu estômago se revirou em uma tontura nauseante.  Olhou para a irmã adormecida, com seus cabelos cheios e marrons. Cachos largos dourados caíam pelo seu rosto. 

Alguém bateu na porta de repente, e Harry sobressaltou-se. Um jovem perto dos 20 anos, ruivo e sorridente, enfiou o rosto dentro da cabine. Era Tobias.

-Ei, carinha! -Ele mostrou um sorriso torto, e Blair abriu os olhos em surpresa- E senhorita! -Ela acariciou os olhos com as mãos pálidas- Vim avisar que já chegamos em Cotswolds, e o trem irá parar na estação daqui a alguns minutos.

Tobias se silenciou, e os irmãos se entreolharam, assustados. Será que Tobias sabia que eles tinham só um bilhete? O único som era o das rodas batendo contra os trilhos.

-Bom, se vocês forem para lá, já sabem o que fazer. -Ele piscou para Blair e fechou as portas.

Harry ficou de frente para a irmã.

-Para onde vamos agora?

Ela suspirou

-Parece que para o internato. -Levou as mãos ao rosto- Estou morrendo de saudades da mamãe e do papai. -Ela olhou para o irmão em súplica, e os dois se abraçaram.

-Eu também estou -Sussurrou Harry. -Só devemos ficar juntos.

-Céus, esse lugar é bucólico -Ela disse, olhando para as colinas esverdeadas através da janela.

Harry abriu um sorriso tímido.

-E acho que o garoto do trem está afim de você.

Blair corou.

-Não obrigada, não faz o meu tipo. -Ela abanou a cabeça-Além disso, ele é muito mais velho;

-Isso nunca te impediu -Comentou o irmão, se referindo a Oliver, um estudante de medicina italiano de 22 anos que havia passado um mês em Londres, com quem Blair havia tido um relacionamento rápido.

-Que tal dar uma volta? -A irmã estava queimando de vergonha. Oliver havia voltado para a Itália em Outubro, não aprovando o sistema Inglês.

Harry riu e saiu pelo corredor, fechando as portas da sua cabine.

Um aglomerado de garotos estava na frente de uma cabine mais adiante, eles sorriam e faziam barulho. Deviam ter mais ou menos sua idade.

Ele se aproximou. Haviam três garotos do lado de fora, e quatro do lado de dentro jogando com cartas. 

-É óbvio que ele está blefando- Riu um menino loiro do lado da porta.

-O que eles estão jogando? -Perguntou Harry para o garoto de olhos e cabelos claros. 

-Pôquer, é claro. -Ele riu - Ou quase isso, tenho certeza que o Christopher não sabe o que está fazendo. -Os olhos do garoto brilharam. Ele devia ter uns 11 anos.- Owen. 

O garoto sorriu e estendeu a mão gelada para Harry, que retribuiu o gesto.

-Harry. -Ele sorriu também. -Está indo pra onde.

-Algum internato estúpido. -Ele bufou- Acho que vou ter que usar gravata e suéters bregas, que nem o seu.

Owen deu uma gargalhada, mas Harry se sentiu ofendido, olhando para a camisa amarela amassada do menino.

-Eu também vou para um internato.

-Internato? - Um garoto negro mais velho respondeu, saindo da cabine de pôquer- Qual deles?

-Não faço a mín-

-St. Reece - Harry completou.

-É, este mesmo. -Owen disse, frustrado.

-Ha. - O garoto abriu um sorriso e cutucou o garoto do lado -Esses aí vao para o Reece.

O outro, moreno com olhos escuros, também riu.

-Cara, boa sorte pra vocês. Aquele lugar é super rígido e sinistro.

Harry ficou confuso.

-Sinistro?

-Elliot - O garoto negro estendeu a mão, cumprimentando Harry - Esse aqui é o Patrick. 

-O Reece é sinistro porque muita coisa ruim acontece lá -Patrick disse, gesticulando- Meus tios moram em Cotswolds, e disseram que nunca viram a maldita diretora, nem no acidente.

-Acidente de que? - Owen perguntou, com os olhos azuis assumindo um tom escuro.

-Eu não sei direito o que aconteceu. 

-Ninguém sabe, na verdade. - Completou Elliot, cruzando os braços.-Meu avô disse que um garoto foi encontrado morto no último andar, mas nunca ninguém descobriu o porquê.

Um calafrio percorreu a espinha de Harry.

-É, e ninguém sabe como ele morreu, tipo envenenado ou enforcado ou qualquer coisa assim. Quiseram fechar o Internato, mas a vice diretora de lá é muito importante na região. -Patrick disse.

-Meu avô acha que foi coisa de fantasma, mas eu não acredito nessas coisas. -Elliot passou a mão no cabelo. - Acho que alguém lá de dentro matou o menino.

-Quem sabe um dos professores. -Disse Owen.

-Minha tia era professora de lá, mas saiu depois de ouvir essa história. -Os olhos castanhos de Patrick brilharam de um jeito apavorante - Ela disse que nunca conseguiu dormir no último andar. -Elliot olhou para Patrick, como se nunca tivesse ouvido essa parte da história- E que nunca viu a diretora também.

-Talvez a diretora tivesse matado o garoto. -Owen começou a alisar a camisa freneticamente.

-Acho que ela não existe.

Elliot riu.

-Você acha que ela é um espírito então?

-Não, acho que tem alguma coisa de muito ruim naquele lugar, que todo mundo está acobertando. -Patrick falou, seguro.

-Novato, relaxa. -Elliot bagunçou o cabelo de Harry. -Só não se meta onde não deve.

Harry engoliu em seco.

-Bom, acho que te encontro lá, certo? -Ele disse para Owen, e foi embora pelo corredor.

Estava atordoado. Será que os meninos estavam brincando com ele? Quem era o garoto e como ele morreu? E porque só pensar naquele internato dava arrepios?

Entrou correndo na sua cabine. Blair estava furiosa apontando para o prato de sopa, e quando ia começar seu sermão, Harry puxou a irmã para baixo, e sussurou aterrorizado:

-Blair, - Ele fechou os olhos- nós não podemos ir para aquele lugar. 

A PortaWhere stories live. Discover now