Blair cochilava encostada na janela fria. Sua bochecha congelava, e as gotas de chuva ja haviam secado. Harry olhou para a irmã dormindo, e resolveu acabar a sopa por si só, por mais que se sentisse egoísta. O gosto agridoce da última colherada encheu sua boca e o deixou com vontade de mais.
Levantou desajeitosamente, ajustando o colarinho do suéter, que estava torto. Seus óculos estavam borrados da fumaça quente do ensopado, ele assoprou, e recolocando-os, andou até a grande janela.
A visão agora estava mais nítida. Estavam em um ambiente com muitas montanhas e uma relva esverdeada, somente aguardando a chegada da neve em Janeiro. Era 26 de Dezembro, e Cotswolds apresentava um clima até natalino e poético, com seus pinheiros cheios e o céu nublado. Apesar do clima de Londres ser encantador, até lugar parecia um refúgio de todos os problemas causados pela guerra.
Harry olhou no relógio amarronzado. Os ponteiros marcavam 17:46. Conhecendo a pontualidade inglesa, chegariam na estação um pouco antes das seis.
Engoliu em seco. Havia tomado toda a sopa, que sua irmã dividiu com ele! Seu estômago se revirou em uma tontura nauseante. Olhou para a irmã adormecida, com seus cabelos cheios e marrons. Cachos largos dourados caíam pelo seu rosto.
Alguém bateu na porta de repente, e Harry sobressaltou-se. Um jovem perto dos 20 anos, ruivo e sorridente, enfiou o rosto dentro da cabine. Era Tobias.
-Ei, carinha! -Ele mostrou um sorriso torto, e Blair abriu os olhos em surpresa- E senhorita! -Ela acariciou os olhos com as mãos pálidas- Vim avisar que já chegamos em Cotswolds, e o trem irá parar na estação daqui a alguns minutos.
Tobias se silenciou, e os irmãos se entreolharam, assustados. Será que Tobias sabia que eles tinham só um bilhete? O único som era o das rodas batendo contra os trilhos.
-Bom, se vocês forem para lá, já sabem o que fazer. -Ele piscou para Blair e fechou as portas.
Harry ficou de frente para a irmã.
-Para onde vamos agora?
Ela suspirou
-Parece que para o internato. -Levou as mãos ao rosto- Estou morrendo de saudades da mamãe e do papai. -Ela olhou para o irmão em súplica, e os dois se abraçaram.
-Eu também estou -Sussurrou Harry. -Só devemos ficar juntos.
-Céus, esse lugar é bucólico -Ela disse, olhando para as colinas esverdeadas através da janela.
Harry abriu um sorriso tímido.
-E acho que o garoto do trem está afim de você.
Blair corou.
-Não obrigada, não faz o meu tipo. -Ela abanou a cabeça-Além disso, ele é muito mais velho;
-Isso nunca te impediu -Comentou o irmão, se referindo a Oliver, um estudante de medicina italiano de 22 anos que havia passado um mês em Londres, com quem Blair havia tido um relacionamento rápido.
-Que tal dar uma volta? -A irmã estava queimando de vergonha. Oliver havia voltado para a Itália em Outubro, não aprovando o sistema Inglês.
Harry riu e saiu pelo corredor, fechando as portas da sua cabine.
Um aglomerado de garotos estava na frente de uma cabine mais adiante, eles sorriam e faziam barulho. Deviam ter mais ou menos sua idade.
Ele se aproximou. Haviam três garotos do lado de fora, e quatro do lado de dentro jogando com cartas.
-É óbvio que ele está blefando- Riu um menino loiro do lado da porta.
-O que eles estão jogando? -Perguntou Harry para o garoto de olhos e cabelos claros.
-Pôquer, é claro. -Ele riu - Ou quase isso, tenho certeza que o Christopher não sabe o que está fazendo. -Os olhos do garoto brilharam. Ele devia ter uns 11 anos.- Owen.
O garoto sorriu e estendeu a mão gelada para Harry, que retribuiu o gesto.
-Harry. -Ele sorriu também. -Está indo pra onde.
-Algum internato estúpido. -Ele bufou- Acho que vou ter que usar gravata e suéters bregas, que nem o seu.
Owen deu uma gargalhada, mas Harry se sentiu ofendido, olhando para a camisa amarela amassada do menino.
-Eu também vou para um internato.
-Internato? - Um garoto negro mais velho respondeu, saindo da cabine de pôquer- Qual deles?
-Não faço a mín-
-St. Reece - Harry completou.
-É, este mesmo. -Owen disse, frustrado.
-Ha. - O garoto abriu um sorriso e cutucou o garoto do lado -Esses aí vao para o Reece.
O outro, moreno com olhos escuros, também riu.
-Cara, boa sorte pra vocês. Aquele lugar é super rígido e sinistro.
Harry ficou confuso.
-Sinistro?
-Elliot - O garoto negro estendeu a mão, cumprimentando Harry - Esse aqui é o Patrick.
-O Reece é sinistro porque muita coisa ruim acontece lá -Patrick disse, gesticulando- Meus tios moram em Cotswolds, e disseram que nunca viram a maldita diretora, nem no acidente.
-Acidente de que? - Owen perguntou, com os olhos azuis assumindo um tom escuro.
-Eu não sei direito o que aconteceu.
-Ninguém sabe, na verdade. - Completou Elliot, cruzando os braços.-Meu avô disse que um garoto foi encontrado morto no último andar, mas nunca ninguém descobriu o porquê.
Um calafrio percorreu a espinha de Harry.
-É, e ninguém sabe como ele morreu, tipo envenenado ou enforcado ou qualquer coisa assim. Quiseram fechar o Internato, mas a vice diretora de lá é muito importante na região. -Patrick disse.
-Meu avô acha que foi coisa de fantasma, mas eu não acredito nessas coisas. -Elliot passou a mão no cabelo. - Acho que alguém lá de dentro matou o menino.
-Quem sabe um dos professores. -Disse Owen.
-Minha tia era professora de lá, mas saiu depois de ouvir essa história. -Os olhos castanhos de Patrick brilharam de um jeito apavorante - Ela disse que nunca conseguiu dormir no último andar. -Elliot olhou para Patrick, como se nunca tivesse ouvido essa parte da história- E que nunca viu a diretora também.
-Talvez a diretora tivesse matado o garoto. -Owen começou a alisar a camisa freneticamente.
-Acho que ela não existe.
Elliot riu.
-Você acha que ela é um espírito então?
-Não, acho que tem alguma coisa de muito ruim naquele lugar, que todo mundo está acobertando. -Patrick falou, seguro.
-Novato, relaxa. -Elliot bagunçou o cabelo de Harry. -Só não se meta onde não deve.
Harry engoliu em seco.
-Bom, acho que te encontro lá, certo? -Ele disse para Owen, e foi embora pelo corredor.
Estava atordoado. Será que os meninos estavam brincando com ele? Quem era o garoto e como ele morreu? E porque só pensar naquele internato dava arrepios?
Entrou correndo na sua cabine. Blair estava furiosa apontando para o prato de sopa, e quando ia começar seu sermão, Harry puxou a irmã para baixo, e sussurou aterrorizado:
-Blair, - Ele fechou os olhos- nós não podemos ir para aquele lugar.
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A Porta
Mystery / ThrillerEm plena Segunda Guerra Mundial, a família Watson precisa tomar uma decisão difícil: enviar seus dois filhos, Blair e Harry, para o Interior, escapando de Londres e dos perigosíssimos conflitos. Mas aquele inocente internato não era o que aparentava...