Universo paralelo

15 6 3
                                    

Nota: é uma crítica à nossa sociedade escrota e machista. Cenas de assédio.

— Olha que coisa gostosa! — Ouviu a voz dizer-lhe enquanto caminhava até o ponto de ônibus. Outra riu. Ajeitou a roupa tentando ver se havia algo fora do lugar. Não tinha. Mas não teve coragem de encarar a dona da voz. Andou a passos rápidos, encarando o chão concretado que parecia indiscutivelmente interessante. Apertou a mochila com a mão, ficou com medo de elas verem que ele tremia.

Ficou sozinho no ponto. Só havia uma senhorinha que secava sua bunda. Ignorou. Duas ou três buzinadas enquanto olhava a pista, ansioso pelo ônibus. "Gostoso! Deixa eu beijar essa boca!"

Ignorou. Precisava ignorar.

No ônibus cheio, viu o olhar malicioso da cobradora. Fingiu que não viu. A vida às vezes é feita de fingimentos. Uma ou duas mãos bobas em suas costas e coxa. Uma esfregada exagerada enquanto a mulher passava por trás. Encolheu-se, não queria dar a entender que desejava o toque dela.

No trabalho, respirou mais aliviado. Haviam mais homens lá do que mulheres, poderia ficar tranquilo. Sônia do financeiro estava do lado da máquina de café, sorriu-lhe e ela retribuiu.

— E aí, como foi o fim de semana? — ela perguntou entregando-lhe um copo.

— Foi ótimo. Saí com a Fernanda — respondeu enquanto enchia o copo de café.

— Você devia largar essa menina. Ela não sabe dar conta de alguém como você — murmurou passando a unha em seu ombro.

Quis gritar que aquilo não era da conta dela. Quis gritar pra ela tirar a mão. Mas perdeu a reação. Ela o deixou só, depois de uma piscadela.

Chegou em sua mesa pensativo. Percorreu os olhos pela sala grande. Era um dos poucos setores em que havia mais homens do que mulheres. Essas, recebiam mais do que os do sexo masculino só por serem mulheres. Achava injusto.

Voltou pra casa no final da tarde. Mesma rotina de assédio, sussurros e gritos indecentes. O sol já havia sumido quando andava pela rua. Um carro o seguia devagar, a rua era deserta. Temeu. Tremeu. Seria assaltado, morto ou, na pior das hipóteses, estuprado. Pelo menos não carregaria uma criança no ventre. Era homem.

Bruno acordou num pulo. Ofegante, suado. Mas que merda de pesadelo. Parou e refletiu. Aquilo pra ele tinha sido um sonho, mas pra muitas era a realidade diária. Sociedade escrota.

Que tudo seja azulΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα