Capítulo 2

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Quatro copos sobre o mármore da mesa e dois pratos, sendo que um deles havia comida, enquanto o vazio não tinha dono. A cozinha mesclava diversos cheiros e Pedro manuseava a negra frigideira sobre o fogo, tendo cuidado para não queimar o alimento.

- Raramente, você faz algo tão... – Continuou mastigando, cortando mais um pedaço de carne e levando a boca, buscando adjetivos para expressar a satisfação inata ao alegre rosto. – O que colocou em especial?

- Veneno. – Respondeu secamente, sem ao menos olhar para suposta vítima.

- Oh, não! – Felipe se admirou. Largando o garfo ao prato, levou a mão direita até a garganta, segurando a extensão. Pensativo, mastigava os pequenos pedaços ainda na boca, realizado pelo sabor. – Tem gosto de frango. Por que tudo desconhecido que alguém come diz que tem gosto de frango?

O mais velho não respondeu.

Terminando, levou o peixe assado até o prato, misturando junto aos outros acompanhamentos.

Não concedia atenção para o companheiro de refeição, pois ainda cultivava imensa raiva pelos recentes acontecimentos, principalmente pelo insulto a sua namorada, ou melhor, agora ex. Francamente, não sabia até quando conseguiria suportar aquelas infantilidades, ainda assim, em consideração a mãe do mais novo, preparava todas as refeições religiosamente, pois, uma vez, o companheiro havia adoecido por causa de tantas guloseimas.

Além disto, o irritante moço sempre tivera a saúde fragilizada. Pedro sorria vagamente quando se lembrava da senhora procurando o garoto para que tomasse seus remédios e este resistia. Apesar de tudo, ele raramente demonstrava fraqueza e a teimosia extrapolava os limites humanos.

Incomodado, Felipe mexia no prato como se explorasse o interior de um animal aberto. Articulava a boca como se conversasse e discutisse assuntos sérios, embora nenhum som fosse proferido.

- Fale logo. – Irritou-se, diante tantas caras e bocas.

- Meu pai disse que eu deveria casar com uma garota que soubesse cozinhar, pois o amor acaba, mas a fome é pra sempre. – Continuou comendo, após três garfadas, percebeu que jamais obteria uma resposta. – Por que sua mãe não teve uma irmã? Eu casaria com ela.

- Eu nunca permitiria minha irmã casar com uma criatura porca como você.

- Por quê? Você quer se casar comigo e ficaria com ciúmes de sua irmã?

- Acho que não preciso explicar.

- Seria uma boa. Iríamos ter um leitãozinho... Ou vários... – Bebeu um pouco do suco amarelo no copo de vidro. O colega de residência concedia tanta atenção ao alimento ingerido, como se este fosse uma pessoa. E ele comia com tanta calma... A tranquilidade permanecia mesmo quando zangado e isto irritava o ativo rapaz mimado, pois o momento das refeições sempre costumava ser animado quando em casa. Arriscando pela última vez, comentou brincando. – Sabe, você poderia ser uma garota... Já age como uma.

- Felipe, por favor, termine sua refeição e vá pro quarto. Comer conversando aumenta o risco de engasgo.

Arrumando os óculos com as mãos engorduradas, Felipe obedeceu revirando os olhos.

Fazendo cara de nojo, imitava a contraparte sentada paralela a sua extremidade da mesa visando aborrecê-lo. Sem efeito. O mais jovem morador da casa permitia que os fios do cabelo de palha caíssem sobre seus olhos ocultados por armações quadradas, transmitindo estranha timidez.

Ao contrário de Pedro que sempre trajava terno ou roupa social (inclusive agora mantinha as mangas da branca camisa levantadas), Felipe ainda estava na fase de camisas estampadas com bandas e desenhos favoritos. Um preferia livros e outro cálculo e nenhum assunto entrava em acordo quando não era relacionado à velha cidade onde compartilharam uma longa infância e adolescência.

Terminando a refeição, o sério homem deixou a mesa levando as louças para a pia.

Depois que lavou, colocou no escorredor.

Pegando um pedaço de papel toalha, caminhou até o que permanecia comendo. Segurando o seu queixo, virou a atrapalhada face comilona para si, limpando as extremidades da boca suja por farelos.

Após isto, bagunçou o cabelo com um meio sorriso pela cara de bobo que recebia, lembrando com um sermão para não perder o costume:

- Tome banho antes de dormir ou irei invadir seu quarto e arrastá-lo até o banheiro.

Assentindo positivamente ao fitar fixamente os determinados olhos, agradecia pelos óculos embaçados e franja caída ocultando o leve rubor colorindo sua pele. Recentemente, estar tão perto do amigo lhe proporcionava indescritível desconcerto. O que acontecia?

Esquivando dos cuidados das ágeis mãos, voltou a comer visando ocultar o aparente nervosismo.

Pedro, por um segundo, conseguiu ocultar o singelo riso que escapou diante a cena.

Optando por não comentar, caminhou até os armários, recolhia vasilhas e pacotes de doces, avisando:

- Não sei o que faço contigo, Felipe. - Convencendo a si mesmo que gostaria de comer pudim e não estava o mimando, continuou. - Mas, hoje vou preparar sua sobremesa favorita.

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⏰ Last updated: Feb 25, 2018 ⏰

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Amar...goWhere stories live. Discover now