Capítulo 1

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Os sonolentos olhos travavam uma infindável batalha para permanecerem abertos durante a tediosa aula de cálculos.

Ar condicionado.

Professor falando calmamente, enquanto rabiscava a branca louça.

Os olhos fechados.

Cabeça em desequilíbrio, quase caindo sobre a carteira.

- Acorde! – Bronqueava a amiga sentada ao lado, cutucando Felipe com o cotovelo.

Deveriam fazer um seminário sobre o assunto e havia um acordo implícito para não deixá-lo dormir durante as explicações valendo nota.

Dedicada aos estudos e a aparência, mesmo quando a aula começava às sete da manhã, Beatriz aparecia impecável. A calça jeans salientava o tempo na academia, a blusa de alça sempre exibia demais na opinião do amigo, e mesmo sem saber como começou ou o porquê, a amizade continuava.

Felipe costumava acobertá-la dos pais nos fins de semana, principalmente durante as reuniões da igreja. Um namorado de mentira, dedicado, comportado, apesar deixar fortes marcas em seu pescoço depois das noites de quinta.

Em devaneio, o quase adulto a imaginava uma excelente dona de casa. As louças alinhadas como a impecável altura de suas unhas, o chão polido como o brilho dos encaracolados cabelos castanhos. E apesar de convidado inúmeras vezes para residir com esta diante a incessáveis reclamações, não conseguia abandonar o irritante Pedro.

Certo. Não negava como havia sido imensamente feliz quando o amigo o convidou para dividir o apartamento consigo. Eram amigos desde a infância, mas havia se tornado insuportável como aquele louco era maníaco por limpeza.

Felipe havia crescido numa família afortunada e jamais precisou fazer nada, até porque seu pai afirmava que tarefas domesticas era coisas de menina. Todavia, Pedro gritava quando ele deixava a roupa pelo chão da sala ou não levava os copos para cozinha. Apesar de tudo, sentia o estômago gelar quando encontrava o imbecil olhando os anúncios e procurando outro apartamento. Quer dizer, ele não poderia deixá-lo depois de ter o convidado, verdade? Seria cruel.

Tentando voltar aos pensamentos agradáveis, a imaginação entrava em colapso ao notar o caderno da moça saturado em poesias, desobedecendo às linhas e as margens. Era impossível encontrar qualquer assunto acerca alguma matéria, ela sempre escrevia de modo aleatório, tendo inúmeras notas e lembretes.

Ainda assim, o colega sentado ao lado sequestrava o caderno maltratado e suspirava a cada linha. "Beatriz, você tem as mais belas poesias. Acho que deveria casar comigo.". Repetia bobamente, André, o impulsivo amigo de negros cabelos e atitudes amedrontadoras como a madrugada.

Um cigarro de canela entre os dedos compridos, vestes negras e sem felicidade, a pálida boca do rapaz vomitava comentários maldosos sobre tudo. Inclusive, sobre o vestido vermelho da Bia e como este a deixou parecendo uma vadia bêbada na última festa da faculdade. Inclusive, sobre a lerdeza de Felipe e a estranha obsessão pelo detestável colega de apartamento. Inclusive sobre...

O professor saia da sala indicando o fim da aula. Bia, praticamente, era obrigada a arrancar o amassado caderno das mãos do amigo para enfiar na bolsa preta e apertada por aparelhos e produtos de beleza.

Felipe limpava os olhos lacrimejados pela enorme quantidade de sono, puxando os materiais escolares e arremessando de qualquer modo dentro da mochila, enquanto André ainda discutia com a menina sobre como "Beleza" e "planeta" aparentava uma bonita rima indireta.

O relógio marcava três da tarde e o pequeno garoto ruivo de vestes folgadas e sarnas aparecia na porta da sala. Tímido, pouco falava, e encarava os pés, avermelhado, quando elogiado pela bonita menina.

Os dois nunca se aproximavam, ainda assim, André nutria certa antipatia pelo suposto rival. O modo como aparentavam próximos, os segredos, as risadas... Aquela interação o irritava por demais, estando evidente pelas sobrancelhas arqueadas em ódio, além do cotidiano humor de poucos amigos.

Levantando-se, recolheu os cadernos, arremessando na mochila com certa brutalidade. Em passos pesados, passou exatamente entre os dois, chocando-se propositalmente contra o frágil menino que quase desequilibrou.

- Olha por onde anda, sacana! – Protestou Beatriz, levemente irritada, segurando-se na barra da porta. Não fazia sentido, todavia terminou se acostumando as mudanças repentinas de temperamento.

- A-acho que devo ir. – Interpôs Leo, observando os olhos malignos de esguelha sobre si.

- Não liga, Leo. Ele tem uma TPM meio bipolar. – Brincou Felipe, chegando a porta e assanhando os cabelos ruivos do menor, o qual já parecia um ninho abandonado de passarinho. Ele quase sorriu. Os mórbidos olhos quase sempre inchados "por dormir demais", praticamente petrificava a expressão de tristeza naquela face. Coçando o braço esquerdo sem jeito, ele acenou em despedida.

- Qualquer coisa passe lá em casa, Leo. – Pediu a menina, tendo um raro ar de preocupação.

- Pode deixar.

- Ele é meio estranho... Sempre está com estas camisas compridas mesmo num calor de 40º C. – Observou Felipe, seguindo com a amiga para o refeitório daquela grande instituição.

- Você nem imagina o motivo, Felipe... Mas ele prefere não comentar sobre também. – Um suspirou tristonho, uma lembrança. – Oh, por que você estava cochilando na aula hoje? Não dormiu bem em plena quarta-feira?

- Pedro chegou às três da manhã com uma daquelas garotas... – Relutante, entortava a boca em desaprovação.

- E foi quente?

- Não. Ela não ficou porque reclamei. Mas ele ficou bem irritado.

- Nossa. – Evidentemente decepcionada. - Você tem que deixar seu amigo liberar os hormônios. O que você espera que ele faça? Quem sabe num destes rolos ele não deixe a casa somente pra você...

Pensativo, nada disse. Afinal, o que poderia dizer?

- Vamos à sua casa amanhã para começar o seminário, tudo bem? – Tentou começar um novo assunto diante o incômodo silêncio. Estava evidente como os garotos não queriam uma solução, apenas reclamar e, por isto, recorria ao silêncio quando alguém chegava com uma saída para a gigantesca bola de neve.

- Tudo bem. Vou falar com Pedro. – Disse, pegando o celular e discando os números. Ela cumprimentava uns amigos que passava pelo corredor, observando o rancor evidente em cada resposta durante a ligação. Finalizando, um meio sorriso enfeitava o rosto sonolento. – Desculpa, Bia. A gente combinou de almoçar, mas Pedro ta passando aqui para me pegar.

- Diga que está ocupado.

- Não dá. – Dando um passo pra trás em direção a saída, explicou sem jeito. – Eu meio que já aceitei seu pedido.

Aqueles amigos, realmente, não tinham conserto.

Amar...goTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang