Primeiro capítulo

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Acordei com os raios do sol invadindo as frestas entre a janela e a cortina do meu quarto e, também, com o som de uma voz gritando a todo vigor enquanto batia em minha porta

-Anora Stone, faça o favor de acordar e destrancar esta porta, agora! -Disse minha mãe, fazendo seu característico escândalo matinal.

-Você já tentou abri-la? -Falei com a voz rouca de sono.

Ela abriu a porta e andou até mim normalmente, como se nada tivesse acontecido, para tentar disfarçar o vexame.

-Você não está pronta ainda, Anora? Quer chegar atrasada na aula de novo e receber outra bronca dos professores? -Me repreendeu com as mãos na cintura.

Ela estava certa, eu sempre conseguia chegar atrasada na escola. E já era a terceira vez nessa semana. Porém, o motivo de eu não querer ir era bem óbvio e simples: Eu odeio ir para escola!

Não pela preguiça de estudar ou acordar cedo, pelo contrário, sempre fui boa aluna, mesmo tirando notas razoáveis (modéstia parte).

Também não era popular e, muito menos, festeira talvez antissocial, porém, esse não era, e nunca foi meu incomodo.

Mas sim, porque um dos diversos fatores que mais me incomodavam, certamente, eram as pessoas.

Eu era assombrada e perturbada efetivamente por aqueles seres desprovidos de compaixão, chamados adolescentes. Pelo simples fato de não seguir a norma padrão do arquétipo estabelecido pela sociedade atual.

-Mãe, deixe-me faltar somente hoje, por favor! -Interpelei manhosa com um olhar pidão que eu sabia ela não ser capaz de resistir.

-Não adianta me olhar assim, pois, dessa vez eu não vou mudar de ideia! Agora vá trocar de roupa, mocinha! -Ela falou com um tom mandão.

Entristeci-me imediatamente, mas, antes que pudesse levantar da cama, senti o toque de sua mão sobre meu ombro:

-Filha, escute, eu sei que aquela escola não é o melhor lugar do mundo e que, às vezes, é difícil passar por essa etapa, mas, você já tem 17 anos e já é hora de criar coragem e enfrentar seus medos para que, logo, você possa defecar todas essas impurezas e se livrar de uma vez do que você sente.

Eu amava minha mãe, mas, às vezes, ela conseguia ser incompreensível, de modo que era visível a falta de alguns parafusos em sua cabeça. Também explícitos em seu modo de vestir- largas blusas listradas com leggings estampadas. Fala sério, quem se veste assim?!

Ela trabalhava, surpreendentemente, em uma loja de roupas por meio período. E o restante do seu dia era dedicado à fazer chás e cupcakes para mim ao chegar da escola, e de vez em quando, escrevia para seu blog de autoajuda.

Isto mesmo! Autoajuda. Isto decorreu-se porque, um tempo atrás, ela levou um fora do namorado, afetando-a bastante. Por isso, desde então, ela passou a ler livros e assistir palestras sobre o assunto que acabaram tornando-se um vício e, consequentemente, influência sobre seus conselhos maternos.

-Uau! Este livro é novo, Dona Rebeca. A autora sofreu algum tipo de trauma no banheiro, por acaso? -Eu questionei sarcasticamente.

-Na verdade, este livro é de minha autoria. Estou tentando escrever para os jovens de sua idade misturando um pouco da linguagem formal com as gírias usadas por vocês hoje em dia. E estou trabalhando nele ainda, por isso, não me julgue! - Falou cruzando os braços e semicerrando os olhos em minha direção.

Não sei onde ela ouviu essa palavra, mas, com certeza, ela não veio de "nós, jovens".

Minha mãe conseguia surpreender-me cada vez mais, mas, sinceramente, esperava que ela mudasse de ideia o quanto antes. Se não, eu teria que intervir, como sendo boa filha.

Por isso, não aguentei, e acabei-me em altas gargalhadas que foram, logo, interrompidas por uma frase irritada:

-Vá se arrumar, Anora, você está atrasada!

**

Caminhava pela calçada, despreocupadamente, enquanto ouvia as músicas de minha playlist favorita, sem me preocupar em chegar atrasada ou não à escola, quando deparo-me com uma poça de água- provavelmente vinda da mangueira da casa a frente, pois, estávamos em época de seca- refletindo minha imagem como num espelho.

Meu cabelo moreno e cacheado estava, normalmente, atrapalhado em um coque mal feito, ressaltando minha face coberta de leves sardinhas e meus olhos acastanhados.

No entanto, diferente das garotas de minha escola, minha altura poderia ser comparada à de um anão de jardim, assim como meu corpo considerado acima do peso.

Mesmo assim, o que mais me incomodava, era a cicatriz que marcava minha pele na omoplata, seu desenho parecia um losango que, ainda que eu passasse base e outros cosméticos, insistia em aparecer. Por isso, sempre evitei usar regata, já era estranha o suficiente. Já perguntei sobre a cicatriz para minha mãe outras vezes, mas, ela sempre dizia que já havia nascido assim e não sabia nada sobre.

E, assim, vendo meu reflexo, lembrei-me das provocações e maldades que cercavam-me todos os dias, causadas por aqueles seres irracionais. Não estava com cabeça para isso no momento. Eles conseguiam ser bem malvados quando queriam, especialmente algumas garotas de minha sala que zombavam de mim pelas costas e enviavam bilhetinhos maldosos.

Portanto, já cansada disso, decidi desviar de meu percurso habitual, indo para algum lugar longe daquele inferno.

Devaneei pelo caminho todo, enfrentando meus pensamentos que, hora me culpavam por matar aula e enganar minha mãe e, hora me confortavam em achar que fazia o certo ao fugir de mais sofrimento. Por essa causa, não percebi por onde ia.

Antes que eu continuasse me recriminando, tropecei em uma pedra que me fez cair, diretamente, sobre o chão, me acusando por ser desastrada.

Porém, ao sentir a textura do solo, reparei que, na verdade, estava sobre uma vasta grama. De alguma forma, distrai-me a ponto de não reparar que saí da calçada e fui parar em uma floresta cheia de largos e enormes pinheiros com galhos e folhas tão longas, capazes de cobrir o céu, deixando o ambiente levemente escuro.

Não conseguia lembrar-me como e por onde tinha chegado, então, comecei a caminhar pelo local em busca de uma saída.

Já estava quase me desesperando, quando avistei algo de longe. No início, pensei ser apenas ilusão, mas, ao chegar cada vez mais perto, mal pude acreditar no que meus próprios olhos estavam vendo.

Havia um pinheiro diferente dos demais. Este era bem mais alto e instigante e ,o que realmente o diferenciava, eram seus troncos espessos divididos ao meio de maneira que uma abertura do tamanho de uma porta se estruturasse sobre a árvore. Entre a abertura era possível identificar a mesma floresta em que eu estava, como uma janela no meio de um cômodo.

Resolvi olhar ao seu redor, para investigar mais, e notei que a parte de trás da árvore, no entanto, estava fechada, como outra qualquer. Mas, antes de achar estar delirando, voltei para o ponto em que estava, anteriormente, e a abertura ainda estava lá.

Domada por curiosidade, atravessei minha mão primeiro entre a abertura e, como mágica, ela mergulhou. Ao retira-la, inspecionei e percebi, todavia, que continuava intacta.

Olhei ao meu redor, para ter certeza que era a única ali, apenas o canto de alguns pássaros, distantes, eram audíveis. Apesar de todo medo e preocupação que sentia, dei voz a minha insanidade. Um pouco relutante, respirei fundo e, antes que meus pensamentos me impedissem, atravessei a árvore.

As crônicas de AislinnWhere stories live. Discover now