Lembranças "sem revisão nenhuma"

Primeira e Segunda colheita

Andando por este enorme jardim de lembranças, olho para uma que há muito tempo esta ali e resolvo que aquela vai ser a primeira a ser colhida. Uma lembrança de um tempo em que eu ainda dependia de outro corpo para respirar. Minha mãe se separou de meu pai antes mesmo de eu nascer, meu pai tinha problemas com drogas e batia nela a todo instante, quando ela falou que estava grávida de mim a primeira coisa que ele fez foi dar-lhe um chute em sua barriga dizendo que não queria ter filho e que se ela não tirasse, ele iria arrumar uma forma de fazer isto a força, depois de falar isto enquanto ela protegia a sua barriga para não apanhar ali deitada no chão em posição de feto ele bateu muito em sua face, a ponto de quebrar o seu nariz. Eu não havia chego a este mundo ainda e isto me foi contado por minha mãe muito tempo depois, mas algo em mim me faz sentir como se eu tivesse apanhado junto. Esta é uma lembrança que não deveria fazer parte do meu jardim, mas apesar de ser eu quem as cultiva agora  não sou o responsável por ter plantado ela ali.

Logo depois disto minha mãe mudou de estado e voltou a morar com meus avós afim de ficar mais protegida e não permitir que meu pai cumprisse com o combinado, meus avós maternos eram muito humildes e portanto minha mãe teve de trabalhar até quase o momento em que eu nasci, e toda vez que ela sai de casa para isto ela saia assustada lembrando das palavras proferidas por meu pai. E se por um lado nunca senti a presença paterna enquanto estava ainda me formando dentro de minha mãe por outro sinto as suas mãos me acariciando através de sua barriga até hoje e foi através daquelas mãos cansadas que me foi apresentado o amor na sua maior plenitude. E com isto acabo de lembrar que aquela lembrança apesar de ter momentos ruins e ser a mais antiga a estar neste jardim ela com certeza é uma lembrança que eu deveria ter colhido mais vazes em minha vida. E por este motivo a pego com todo carinho e a planto novamente em meu jardim para que ela permaneça ali disponível diante de meus olhos para que mesmo me restando muito pouco tempo eu consiga contemplá-la mais algumas vezes, e com isto poder sentir novamente a paz de ser tocado com amor.

Após plantar minha primeira lembrança, olho para o lado dela e vejo outra lembrança de muitos anos atrás também já escondida em meio a muitas lembranças mais jovens, resolvo então colhe-la por alguns instantes também. Tenho apenas três meses de idade, minha mãe ainda tenta superar o medo de meu pai aparecer e nos fazer algum mal, ela tem que trabalhar todos os dias para poder manter as minhas necessidades, mas sempre antes de sair ela me da muita atenção e se certifica que eu vou ficar bem, e quando retorna do trabalho mesmo muito cansada ela sempre vem cuidar de minhas necessidades. No dia desta lembrança ela chega do trabalho e eu estou chorando a muito tempo minha avó  é quem cuida de mim nos momentos em que mamãe não está, e quando minha mãe se aproxima de mim minha avó a avisa que eu não me alimentei de nada aquele dia e que pensa que somente o leite materno ira resolver.

Mesmo cansada e com fome antes de fazer qualquer coisa minha mãe vem até mim e me oferece seus seios afim de saciar minha fome com leite materno, eu abocanho com força mas por mais que eu sugue faminto nada sai, devido a todo esforço diário dela e todo stress seu leite havia secado, minha mãe ao perceber aquilo entra em desespero e começa a chorar de soluçar, aquele momento era nosso e era naquele momento que ela podia demonstrar todo seu amor era através daquilo que ela me alimentava com vida todos os dias, e saber que não poderia fazer mais aquilo fez com que ela entrasse em depressão, e depois daquele momento os próximos dias foram terríveis, pois eu a esperava todos os dias de manha antes de ela sair para trabalhar e a noite quando ela voltava, mas mesmo eu gritando desesperadamente ela já não vinha mais até a minha presença, mal sabia ela que eu não queria mais me alimentar de seu leite, muito rapidamente eu aprendi a me alimentar de formas diferente, o único alimento que eu precisava dela era o alimento do seu amor.

Esta lembrança fez com que eu compreendesse o como foi difícil para ela aquele momento, sempre pensei que ela havia me trocado pelo trabalho e que eu havia sido rejeitado por ela também, mas colher aquela antiga lembrança me fez perceber que não ouve abandono e sim uma dor muito grande por não poder partilhar mais aqueles momentos tão especiais comigo, e que talvez o seu afastamento fosse porque ela sabia que eu estava bem, mas ela não estava, e com isto não queria que eu através dela sentisse toda aquela dor. E com isto descubro a mesma coisa da lembrança anterior se eu também a tivesse colhido  antes poderia ter visto muitas coisas diferentes em minha vida, que me ajudariam muito a fazer julgamentos diferentes. E com isto resolvo plantar está lembranças nova bem ao lado da outra para que eu também possa usa-la novamente.